Nos últimos tempos muitos repetem que esta é a última oportunidade. No mundo em convulsão por um vírus minúsculo não faltam medos, sustos e dramas, mas insolitamente não é daí que surge a estranha frase.

Dois acontecimentos motivaram o súbito interesse por ocasiões derradeiras. A repetição mais intensa foi na cimeira do clima das Nações Unidas (COP26) em Glasgow, onde se garantiu que, no ambiente do planeta, é agora ou nunca. Mas a mesma expressão surge nos debates domésticos sobre o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), considerada a última chance do desenvolvimento nacional com fundos europeus.

Em ambos os casos o propósito é excelente: incentivar atenções, mobilizar esforços, suscitar empenho, na proteção do ambiente como no progresso português. Mas a atitude é sempre imprudente. Daqui a anos os problemas do clima e economia ainda nos assolarão e também então serão urgentes atenções, esforços e empenhos. Só que nessa altura teremos de invocar oportunidades depois da última, e a mentira do exagero actual descredibilizará tais pronunciamentos.

A coisa é ainda mais preocupante porquanto, no que toca aos dois dramas, sem tirar nada à verdade da urgência, a tal oportunidade terminal será certamente perdida. E isso precisamente por causa do alvoroço de quem invoca soluções finais.

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Nas mudanças climáticas, os efeitos são crescentemente sensíveis e a acção não pode ser mais adiada. Mas, por isso mesmo, os custos das medidas indispensáveis são cada vez mais evidentes. Há décadas se diz que o ambiente exige mudanças de comportamentos, mas só agora muitos começam a reconhecer que vão deixar de fazer coisas ou comprar produtos a que se habituaram. E não gostam disso.

Tal significa que a COP26, longe de ser a última oportunidade, será o início de um longo processo, onde a pressão sobre governos e populações terá de ser mantida, o descontentamento subirá e teremos avanços e recuos. Devido às graves consequências das medidas ambientais na vida das pessoas, muitos justamente protestarão contra elas. Isso implica que a atitude cómoda das últimas décadas, em que se via os heróis ecológicos opor-se a vilões da poluição, terá de ser abandonada. Temos de reconhecer que todos somos culpados e a solução está em difíceis equilíbrios e compromissos. A questão é muito mais árdua de resolver que as piedosas declarações de Glasgow.

No caso do PRR as coisas são mais simples, pois aí as medidas estão elencadas e discriminadas. Claro que, após 35 anos de fundos estruturais, sabemos bem como é vaga a relação entre o plano apresentado em Bruxelas e o real desembolso. Mas esse relatório tem, ao menos, o destino geral dos milhões. E esse não será desenvolvimento.

Aliás a questão está logo no nome. Recuperação e resiliência significa repor o que estava, precisamente o oposto de desenvolvimento, que é criar de novo. O Plano é excelente a servir os interesses instalados, inevitavelmente omitindo linhas de progresso. É notável, por exemplo, que o pilar “Capitalização e Inovação Empresarial” (a componente 5), única que realmente gera progresso, tenha menos de 3 dos 16 mil milhões do pacote, e metade disso seja para um novo banco público, como se os anteriores tivessem sido excelentes para o fomento. Ganham os do costume e o futuro fica adiado.

Alertar para últimas hipóteses é uma bem-intencionada forma de suscitar alarme e movimentar apoios. Mas em problemas profundos e graves, que demoram a resolver, como a proteção ambiental e o avanço do país, o alvoroço é mau conselheiro.