O Governo apresentou no passado dia 16, no final do Conselho de Ministros dedicado à habitação, o pacote de medidas que intitulou “Mais Habitação”.

O diagnóstico é consensual: em Portugal não há casas, nem em número nem em valor, suficientes para atender a procura, quer para venda quer para arrendamento. Assim sendo, e para resolver o problema, é preciso que mais casas cheguem ao mercado. Nas localizações, tipologias e preços ajustados à procura. Simples.

O atual primeiro-ministro chefia o Governo desde 2015, ano em que o número de novos fogos construídos atingiu o mínimo histórico de 7.000. Desde essa altura, e sem que nada de estrutural tenha sido implementado, o ritmo cresceu lentamente até cerca de 20.000 novos imóveis construídos por ano, ritmo que temos hoje. Num mercado que transaciona cerca de 170.000 habitações por ano, a nova construção assegura pouco mais de 10% das necessidades. Para mais, com um preço médio 43% acima do preço médio de transação de um imóvel existente.

Ou seja, constroem-se poucas casas novas para a procura existente e a preços pouco ajustados.

Nada de substancial tendo sido feito nos últimos anos, o mercado foi-se ajustando em função da procura e da oferta. Foi transacionando os imóveis disponíveis, na sua maioria usados, ao preço a que a procura estava disponível a suportar.

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Parte da ausência de motivação do governo para legislar ficará a dever-se ao contexto de taxas de juro, já que é precisamente a partir de 2015 que a Euribor a 6 meses atinge valores negativos, que assim permanecem até meados de 2022.

Sejamos francos: a intervenção agora do governo no mercado da habitação deve-se sobretudo às alterações de circunstâncias nos mercados financeiros que tornam ainda mais difícil a vida de quem quer comprar a sua casa. Tivesse sido motivada pelas circunstâncias específicas dos mercados imobiliários e teria sido bem mais atempada.

O pacote “Mais Habitação”, agora apresentado e que estará em discussão pública até meados de março, é excessivamente ambicioso, trapalhão, apressado e ideológico. Contém algumas – infelizmente muito poucas – medidas positivas, interessantes. Contém bastantes – quase todas – medidas de difícil ou mesmo impossível aplicação prática e uma ou outra potencialmente incompatível com o quadro constitucional em vigor.

Há tempo para repensar. Não ignoramos que é preciso impactar o mercado a curto prazo, assegurando habitação aos que dela mais precisam, e que para isso seja preciso desafiar os proprietários de imóveis devolutos (não vazios!), a começar pelo maior proprietário, o Estado. O Estado deve dar o exemplo, atuando imediatamente sobre o seu inventário, recuperando-o e colocando-o no mercado, e deve incentivar (não obrigar) adequadamente os privados a seguirem as suas pisadas.

Acima de tudo é preciso construir ou, idealmente, recuperar para dotar o mercado de habitação suficiente em número e valor. E também aqui o Estado deve dar o exemplo, construindo habitação a custo controlado para o mercado de arrendamento acessível ou compra da primeira habitação pelos mais jovens. Deve também, sem preconceito ideológico, desafiar os privados para parcerias na construção/reabilitação de habitação acessível.

Por último, incentivar a sério a construção para a classe média e o build to rent, atuando quer sobre a fiscalidade (IVA, IMI, IRC ou IRS…) quer sobre a eliminação dos bloqueios burocráticos no licenciamento.

Culpar os compradores estrangeiros pelo que se passa no mercado, eles a quem em boa medida devemos a recuperação dos centros urbanos degradados de Lisboa e Porto, acabando com os Vistos Gold e as licenças para Alojamento Local nas zonas urbanas (esqueceram-se do estatuto de RNH?) é desviar a discussão do fundamental, criando ruído. Os Vistos Gold já estavam francamente limitados nas principais zonas do país e as licenças de Alojamento Local congeladas nas freguesias mais impactadas. Mas não renovar os Vistos Gold e as licenças de Alojamento Local atribuídas a quem investiu legitimamente e de acordo com as regras em vigor, a quem o fez com legítimas expetativas, é minar a credibilidade do país enquanto destino de investimento. É dar um enorme tiro no pé.

Aproveitemos o período de discussão pública para contribuir para o debate, de forma construtiva, mas firme, tentando evitar danos irreversíveis em troca de medidas condenadas à pouca eficácia.