Desde 2001, ano dos ataques do 11 de Setembro, que a maior economia mundial não tem excedente orçamental. Há 23 anos consecutivos que os Estados Unidos registam défices orçamentais, o que coloca o país numa encruzilhada económica e política. Este desequilíbrio de contas crónico é uma tendência que parece longe de estar a ser invertida e que tem implicações profundas, não apenas para a América mas para o mundo.
Cientes desta realidade, e sufocados pelo crescente custo de vida, a maior preocupação dos americanos na ida às urnas foi a Economia. Com um eleitorado que vota com o bolso, Trump fez disso uma bandeira e prometeu nomear Elon Musk para liderar o departamento de eficiência governamental. Ora, os objetivos são claros: reduzir os gastos do Estado e diminuir as ineficiências da função pública. Algo completamente contracorrente, disruptivo e que encerra uma dose generosa de incerteza.
Apesar dos bons sinais vindos de Wall Street, a verdade é que a economia americana está numa situação delicada. Começando pelas pessoas. Os americanos estão profundamente endividados, principalmente no pós-Covid. Com uma média de quatro cartões de crédito por pessoa e uma taxa de juro média de 20,35%, muitos encontram-se numa situação financeira frágil. Coletivamente, os consumidores americanos devem $1,1 biliões em dívida de cartões de crédito, um número alarmante que tem vindo a aumentar. Por sua vez, a dívida total das famílias americanas atingiu os $17 biliões este ano. Como bom representante do povo, também o Governo americano vive de contração de dívida. De forma muito simplista, quando o Estado precisa de dinheiro, pode subir os impostos e cortar despesas ou emitir títulos de dívida pública (neste caso obrigações).
Ora, a forma mais indolor e popular é através da emissão de obrigações, que são adquiridas por cidadãos, ou até por países como o Japão e China. Quem compra uma obrigação do Governo americano recebe a promessa de reembolso do montante mais juros. Quando as obrigações antigas atingem a sua maturidade, e um Governo não tem dinheiro para pagar, muitas vezes vende novas obrigações para cobrir as anteriores. Assim, a dívida antiga, contraída a juros baixos, é substituída por dívida nova a taxas muito mais elevadas, criando uma “bola de neve” de juros.
Segundo o Departamento do Tesouro, atualmente, os EUA arrecadam $ 4.92 biliões em receitas, enquanto gastam 6.75 biliões, o que resulta num défice de $1,8 biliões (cerca de 6% face ao PIB), sendo que os juros de dívida são a quarta maior despesa orçamental (cerca de 14% do orçamento).
Historicamente, o Governo só conseguiu “aliviar” este peso quando a Reserva Federal americana aumentou a quantidade de moeda em circulação (o chamado processo de “Quatitative Easing”, que tem como objetivo principal apoiar o mercado e estimular o consumo). Contudo, este processo faz com que a moeda desvalorize. O que significa, em termos simples, que apesar de o Governo continuar a dever o mesmo montante em termos quantitativos, a mesma quantidade de dólares já não compra a mesma quantidade de coisas.
Assim, e apesar de os governos conseguirem arrecadar mais em impostos (especialmente sobre o consumo) e diminuir a percentagem de dívida em relação ao PIB, o custo de vida sobe. Os Estados Unidos e a Europa têm sido prova disso: o preço dos bens sobe mas os salários não acompanham, o que alimenta todo o tipo de tensões sociais. Mais a mais, a inflação, como já tem sido indicado por vários economistas, é um imposto regressivo, que afeta mais as classes com menos poder de compra.
Como ensinava Friedman, “a inflação é o único imposto que não exige legislação”. Para além disso, há o perigo da moeda hiperinflacionar e colapsar, tornando-se inútil (como aconteceu com o Marco Alemão, o Bolívar Venezuelano e o Peso Argentino). A solução para controlar a galopante desvalorização da moeda (no contexto inflacionário) tem sido o aumento das taxas de juro (neste caso, processo de “Quatitative Tightening” cujo objetivo principal é reduzir a quantidade de moeda em circulação), seja por parte do BCE na Europa, ou da Reserva Federal nos EUA. Como a história ensina, esta abordagem pode asfixiar a economia e causar uma recessão (como aconteceu nos EUA em 1981, com taxas de juro a 22%).
Hoje, a dívida pública americana já é de $35 biliões, cerca de 120% do PIB (em comparação com a da União Europeia que são 81,5% do PIB). Estes dados são verdadeiramente alarmantes e permitem prever que Trump vai evitar cenários tipicamente inflacionários, como a guerra e transição para energia verde, que pressupõem maior investimento. Cabe à próxima Administração, e ao seu departamento de eficiência, regressar ao excedente orçamental, sob pena de o Orçamento ficar capturado exclusivamente para pagamento de juros.
Note-se, por último, que a inflação é mais do que um problema económico: gera uma quebra da confiança na moeda e corrói o tecido social. Fomos vendo ao longo dos últimos 100 anos que a história não se repete, mas rima: Os Estados têm gastos pouco responsáveis e abusam do poder que lhes foi confiado para “imprimir dinheiro”, e consequentemente, inflacionar a moeda, o que encobre as más políticas do passado. À semelhança daquelas “borrachas mágicas” que apagavam a tinta da caneta, estas políticas, se aplicadas regularmente, inutilizam o papel.
Este fenómeno não é exclusivo de nenhum país ou governo. Mas, desta vez, foi o povo americano que passou de Benjamin Franklin, um dos “pais fundadores”, que dizia preferir “ir para a cama sem jantar do que acordar com dívidas”, para governantes que se esqueceram que nunca “há almoços grátis”. A fatura chega sempre; de uma forma ou de outra.