As recentes Eleições Europeias em Portugal são comentadas por muitas razões e a primeira delas é por ter diminuído a abstenção. É sempre positivo quando os cidadãos de um país se envolvem nas decisões que dizem respeito a todos.

Muitos saberão como se convertem os votos obtidos por cada partido nos 21 mandatos que cabem a Portugal no Parlamento Europeu. Os 21 deputados portugueses são matematicamente partilhados pelos partidos de forma proporcional aos votos obtidos. Como é obtida essa proporcionalidade? O método usado é o chamado Método de Hondt, que foi desenhado pelo advogado e professor de Direito Civil e de Direito Fiscal na Universidade de Gent, Bélgica, Victor Joseph Auguste D’Hondt, no século XIX. Ele foi um ardente defensor da representação proporcional, tendo mesmo criado a Association Réformiste Belge pour l’Adoption de la Representation Proportionnelle em 1881.

Como funciona o Método de Hondt? Os votos de cada partido são sucessivamente divididos por 1,2,3,4,5, etc. e os quocientes obtidos são ordenados de modo a atribuir os 21 mandatos aos partidos dos 21 maiores quocientes. Assim, em Portugal, a ordenação dos quocientes destas últimas eleições deu 8 mandatos ao PS, 7 mandatos à AD, 2 mandatos ao CHEGA, 2 mandatos à IL, 1 mandato ao BE e 1 mandato à CDU. E podemos ver que, se houvesse 22 deputados para atribuir, o 22º mandato seria atribuído à AD.

É este um método justo? O matemático francês e ativista da Resistência na II Guerra Mundial André Sainte-Laguë (1882-1950), num artigo escrito em 1910, achava que não e defendia que o método de Hondt favorecia os grandes partidos e prejudicava os pequenos partidos. Podemos chegar facilmente a essa conclusão comparando a percentagem de votos obtidos pelos partidos com a percentagem de mandatos obtidos.

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Qual a diferença principal entre o método de Hondt e o método de Sainte-Laguë? São semelhantes, mas enquanto no primeiro os votos de cada partido são sucessivamente divididos por 1,2,3,4,5, etc. no segundo método são sucessivamente divididos por 1,3,5,7,9, etc..

Podemos aplicar o Método de Sainte-Laguë ao caso das recentes Eleições Europeias em Portugal e os 21 maiores quocientes obtidos por este método dariam 7 mandatos ao PS, 7 mandatos à AD, 2 mandatos ao CHEGA, 2 mandatos à IL, 1 mandato ao BE, 1 mandato à CDU e 1 mandato ao LIVRE. E podemos ver que, se houvesse 22 deputados para atribuir, o 22º mandato seria atribuído ao PS.

Qual o melhor método? Do ponto de vista matemático, André Sainte-Laguë argumenta que a soma dos quadrados dos erros dos desvios entre a percentagem de votos e a percentagem de mandatos é menor. Do ponto de vista político, o método de Hondt, favorecendo os maiores partidos, favorece a governação, embora não garanta maiorias absolutas (o método grego atribui 50 mandatos de bónus ao maior partido e isso favorece obviamente muito mais a constituição de maiorias absolutas).

O Parlamento Europeu não tem a responsabilidade de constituir um Governo, a Comissão Europeia, que é escolhida por acordo entre os governos dos países da UE. Assim, um sistema que favoreça maiorias não faz sentido neste caso, sendo mais proveitoso no Parlamento Europeu uma diversidade de opiniões e contribuições. Por exemplo, com o método de Sainte-Laguë, em 1987 Miguel Esteves Cardoso (PPM) teria sido eleito para o Parlamento Europeu e a contribuição que poderia ter dado teria certamente enriquecido os debates no Parlamento Europeu.

Assim, no caso das Eleições Europeias, o método usado (e não só em Portugal) deveria ser o método de Sainte-Laguë.

Um modo de incentivar a participação dos eleitores em eleições é o de deixar claro que um espetro amplo de opiniões será valorizado e terá um lugar privilegiado para defender os seus pontos de vista nos lugares próprios. Tal aconteceu nas recentes Eleições Legislativas, aconteceu nestas Eleições Europeias e poderia ser reforçado, incentivando uma ainda maior participação, apenas com a mudança do Método de partilha de mandatos.

Esta discussão deveria ser acessível a todos os cidadãos e para isso todos os jovens deveriam estudar Matemática no Ensino Secundário onde uma diversidade de tópicos fosse abordada. Portugal é um dos países onde mais se estuda Matemática no Ensino Secundário, embora tal não abranja (ainda?) 100% dos alunos.

Uma publicação da UNESCO de 2022 intitulada Mathematics for Action defende, com detalhes acessíveis a um público alargado, que todos os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas precisam de intervenção e decisões baseadas em fundamentos matemáticos. 32 autores mostram como a Matemática nos permite compreender a evolução da pobreza e da fome no mundo, a progressão das epidemias e das vacinas, a gestão da água e do saneamento básico, a sustentabilidade da industrialização, a sustentabilidade do consumo e da produção, as mudanças climáticas, a conservação do oceanos e dos ecossistemas terrestres, etc., etc., etc. A mesma publicação argumenta que a educação matemática é importante para o desenvolvimento de cidadãos reflexivos e críticos que possam lidar com a exigências matemáticas da vida cotidiana (p. 15).

Foi por isso com muita surpresa que li o texto do deputado Nélson Brito no Observador do dia 10 de junho de 2024. Defender que no Ensino Secundário apenas deveriam ser obrigatórios Português, Inglês e Educação Física e que uma alternativa à Matemática poderia ser “estatística, análise de dados, matemática financeira, econometria” é um duplo erro. Primeiro, todos os cidadãos precisam de (muita) Matemática para além do Ensino Básico como o texto da UNESCO (e muitos outros) evidenciam, por outro lado todas as áreas que refere, “estatística, análise de dados, matemática financeira, econometria”, se baseiam em Matemática muito para além do lecionado no Ensino Básico, sem a qual não podem ser minimamente trabalhadas. A existência de opções que os alunos na realidade não conhecem leva a que, por exemplo no 12,º ano, onde atualmente há várias opções que os alunos podem escolher, frequentemente escolham a que “ouvem dizer que é mais fácil”!

O deputado Nélson Brito defende que os jovens devem “desenvolver competências digitais essenciais”, a “resolução de problemas do mundo real, atividades práticas em laboratório” e “pensar de forma crítica, inovadora e colaborativa”, entre outras competências. Ora, os atuais programas de Matemática para o Ensino Secundário (há 5 diferentes, 5 vias diferentes, 5 opções diferentes!) já contemplam todas essas dimensões (a Matemática do Ensino Profissional tem 6 módulos obrigatórios e 18 módulos opcionais!).

Os atuais programas de Matemática do Ensino Secundário consagram o propósito de preparar os alunos para formularem juízos e tomarem decisões fundamentadas, contribuindo para que se tornem cidadãos reflexivos, empenhados e participativos. Tal como o Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória (2014) preconiza, os programas de Matemática pretendem desenvolver o pensamento crítico aliado à resolução de problemas, promovendo a criatividade e a comunicação, além de acentuar a pertinência do trabalho colaborativo. A valorização da Literacia Estatística e do Pensamento Computacional pretendem alinhar o currículo com as recomendações internacionais e contribuir para dotar os alunos de ferramentas de análise dos processos sociais que estão na base do exercício de uma cidadania ativa. E os atuais programas começam exatamente com Modelos Matemáticos para a Cidadania, incluindo Modelos matemáticos nas eleições e na partilha, Modelos Matemáticos em Finanças e Estatística.

No século XXI não é possível ter uma Democracia plena sem Matemática avançada.