Há quarenta e muitos anos, expulso pelos calores do PREC (como então se chamava), encontrei-me, num Domingo, dentro de um barco a caminho do Brasil. Assisti então a uma missa, celebrada por um Padre Filipino, que vinha já da Holanda, com uma assembleia diversa de brasileiros, argentinos, uruguaios, outros portugueses.
Novo na altura, tinha vinte e um anos, marcou-me que o que eu respondia na minha língua, era por igual respondido por todos nas suas.
Percebi então, como uma realidade palpável, que a tradição em que eu tinha sido embalado, de pequenino a recitar “Anjinho da minha guarda, minha doce companhia…” não era só de minha casa, do meu País, mas sim de todo um mundo. Universal.
Católica.
Neste formar de opinião, nesta construção do ser diário, percebi a força da unicidade doutrinal que vem de ter uma sede papal que harmoniza a doutrina, que leva a todos por igual a mesma mensagem.
Não que eu fosse, ou seja, um homem de grande fé, pois, a par com a tradição que acima refiro, sou dum tempo em que, através da minha própria família, se afirmava uma racionalidade e uma separação de mundos temporal e espiritual.
Posição que, de uma forma divertida, pôde ser posto por um Tio pândego na apresentação, nos idos dos anos cinquenta do século passado, ao novo pároco da sua aldeia: “Senhor Prior, muito gosto. O meu nome é António Carnaxide e considere-me Católico, Apostólico, Romano e anti-clerical!”
Ou seja, para me apresentar, creio que a minha geração e a dos meus Pais comungava de valores cristãos, mas mantinha uma racionalidade distintiva em relação à Igreja Católica, reconhecendo no entanto a fragilidade humana e nunca cortando os laços com a referida Igreja.
O que fez com que os meus Pais acolhessem com entusiamo, interesse e análise pessoal o Concílio Vaticano II e me transmitissem, ainda eu pequeno mas atento, que alguma coisa mudava no campo da religião.
Claro que eu não percebia os enredos doutrinais, mas percebi as mudanças dos ritos, a deriva para uma falta de formalidade e alguma confusão.
E depois como mundo é um todo e eu fui crescendo, as mensagens vinham de muitos lados, de muitas posições, políticas ou sociais, aguerridas ou mais complacentes.
Com 13 anos já assisti, meio percebendo, ao Maio de 68, e com 19 abalroou-me a revolução com um cortejo de desgraças familiares.
Toda a família teve de lutar, em Portugal e fora dele, simplesmente para conseguir manter-se à tona e, para mim, começou uma época em que, aqui e na América do Sul, tinha de trabalhar de dia e estudar de noite, não me sobrando grande tempo para actividades fora deste ramerame.
Confesso que foram tempos em que não pensei muito em religião, embora me mantivesse medianamente interessado.
Então em 16 de Outubro de 1978 foi eleito João Paulo II. Acho que houve a noção, os que o escutaram naquele dia e não estavam alheados da História, quando o soubemos polaco e nos apareceu à varanda dizendo palavras diferentes, que um click se tinha dado.
Depois, passado pouco tempo, perante o meu assombro, celebra uma missa em Varsóvia (comunista, sujeita à URSS) e proclama “Não tenhais medo”. Então percebi que o tempo tinha acelerado e que o verdadeiro confronto entre dois mundos, o da Transcendência e o das Ideologias Científicas tinha começado.
Por essa altura, pressentindo o vento do tempo que começava a soprar, a dupla Lucas/Spielberg lança a fábula da Guerra das Estelas em que os djedis diziam a frase título desta crónica quando se separavam.
Madre Teresa em 1979 recebe o Prémio Nobel da Paz.
O mundo ocidental, depois de anos de esvaziamento religioso potenciada pela ascensão das Ideologias Científicas estava em panne de esperança e a Transcendência avançava. O Bloco de Leste, por interposto turco, em 13 de Maio de 1981 tentou assassinar João Paulo II. Era já um gesto desesperado, embora na altura não tivéssemos a noção do nível do desespero.
A Igreja Católica, silenciosamente, continuava o seu apostolado. O Papa viajava, as encíclicas revolucionárias surgiam, um Novo Catecismo foi estruturado.
O aggiornamento, a abertura ao mundo, prosseguia a mata-cavalos e só um cego o não via.
É claro que quem se opunha à Igreja o percebeu: começaram a surgir escândalos e escândalos culminando no mais recente abuso de menores em que não se hesitou em alongar a pretensa existência de crimes a dezenas de anos atrás e à acusação de mortos. Uma enormidade jurídica escondida sob roupagens de intervenção humanitária, mas que aliás pelos métodos e argumentação não se escondeu o ataque aberto à Igreja.
A mim, que conheço em tanto lado o trabalho caritativo e de apoio social da Igreja, espantava-me a aceitação de cabeça baixa de tanta acusação sem um assomo de defesa.
O Papa Bento, que de tudo foi vilipendiado, entendeu com grande lucidez afastar-se.
E chegou-se a Francisco que, agarrando o que vinha dos seus antecessores, atirou para a frente toda a sua experiência social e, tendo a génese numa Igreja da Sul-América, não hesitou em dizer coisas que esvaziavam o discurso marxista e falsamente igualitário. As mensagens básicas do Cristianismo foram reforçadas, e dando jus ao seu nome escolhido, não esqueceu a Irmã Terra. O absoluto da mensagem da Igreja não foi beliscado.
Com as JMJ de Lisboa em que se viu novos a reverenciarem e a sentirem-se próximos de um velho em cadeira de rodas, em que os costumes estão finalmente soltos e existe uma impressionante adesão interior, alegre, contagiante, a Transcendência está lançada.
No meu percurso próprio, não deixando de ser quem sou dentro da minha própria história, comoveu-me profundamente a Igreja em plena rua, com a confissão a fazer-se no passeio de Lisboa, ao lado da multidão.
Senti que o Reino de Deus está entre nós .