A democracia acontece, cada vez mais, nos ecrãs.
Os meios de comunicação, desde os tradicionais às redes sociais, tornaram-se cada vez mais poderosos e um ponto de viragem para movimentos sociais e políticos. Eleger representantes, participar em campanhas, apoiar e mobilizar para protestos, entender e debater causas, direitos e injustiças são tudo ações informadas por imagens, sons e palavras emitidos por ecrãs grandes e pequenos.
Desde o #MeToo, #TimesUp, #GreveClimaticaEstudantil, #NeverAgain e #BlackLivesMatter, vários ativistas utilizam o poder da Internet para pressionar organizações. Fenómenos como Greta Thunberg e a sua escala para um movimento global de #GreveClimaticaEstudantil são, sem dúvida, criados pela força da comunicação digital e redes sociais. Os “media” (no seu sentido mais lato) são, em muitos aspetos, a alma de tais movimentos.
Nos últimos anos tenho colaborado com um departamento das Nações Unidas criado exatamente com o objetivo de, através da comunicação, mobilizar e capacitar para uma ação efetiva em direção aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Por causa do trabalho desenvolvido, em Dezembro do ano passado fui convidada para colaborar com a equipa de comunicação do Right Livelihood Award, conhecido como “Prémio Nobel Alternativo”, onde tive a oportunidade de contactar com os mais diversos meios de comunicação internacionais, jornalistas, políticos, ativistas, entre outros.
Foi nesse contexto que privei com Amy Goodman, jornalista americana, repórter investigadora, escritora e pivô do programa de notícias independente Democracy Now!, que defende: “Os media são absolutamente essenciais para o funcionamento de uma democracia. O nosso trabalho não é aconchegar o poder. Deveríamos ser quem verifica e equilibra o governo.” Falámos sobre esse aumento de poder e, por consequência, aumento da responsabilidade que os meios de comunicação e qualquer criador de conteúdo deve ter.
Na passada quinta-feira, o Question Time (programa da BBC One) contou com um longo discurso racista de um membro da plateia: “Feche as fronteiras, feche completamente as fronteiras”, disse a participante, acrescentando argumentos anti-migração falsos, sem qualquer suporte factual. Foi necessário Ash Sarkar (a jornalista e comentadora) contra-argumentar, fazendo referência a pesquisas e relatórios oficiais. Ainda assim, a partir do vídeo da BBC, mentiras e ódio, sem correção e sem contestação, surgiram e foram partilhadas nas redes sociais.
Ao partilhar o vídeo, a BBC parecia sugerir que aqueles 82 segundos não eram racismo mas simplesmente a opinião de alguém, para concordarmos ou discordarmos. Ou seja, é como se subscrevesse que é apenas outra perspectiva válida. Não é uma perspectiva válida, nem é algo para se concordar ou discordar, quando não é suportada por factos reais… desta forma, é apenas fanatismo gratuito. É assim que o racismo e o extremismo de direita são normalizados.
Acredito que recai muita responsabilidade num meio de comunicação que não se preocupe em comunicar com factos, que não seja inclusivo, e incite sistematicamente ideias machistas, ou fanatismo contra migrantes, refugiados, muçulmanos ou LGBTQ+.
Internacionalmente, e felizmente, cada vez mais meios de comunicação estão a partilhar quais são os seus valores e são transparentes em relação à sua ética, tendo responsabilidade por aquilo que publicam como também pelo que escolhem publicitar, como é o exemplo do The Guardian que baniu publicidade de empresas produtoras e distribuidoras de combustíveis fósseis.
Em Portugal, ainda temos algum caminho a percorrer: tem crescido o fenómeno de cronistas, ou artigos de opinião escritos por autores sem qualquer legitimidade sobre o assunto, temos a “opinião pública” demasiado monopolizada e pouco diversificada.
Falta uma maior transparência acerca daqueles que são os valores dos jornais e meios que consumimos, falta mais jornalismo e conteúdo independente, faltam vozes. Felizmente, tem também crescido um momentum ativista em relação aos media, como é o exemplo do projeto 100 Oportunidades (100 nomes de jovens até aos 35 anos, de 20 áreas diferentes, 53 mulheres e 47 homens, sem filiação partidária conhecida, especialistas em determinada área), como o Fumaça (jornalismo independente) ou o Tipping Up (plataforma e movimento de media activists) entre outras iniciativas, que começam a surgir com a preocupação de criar mais espaço para conteúdo inclusivo.
Cabe-nos também procurar essas fontes de informação e ter responsabilidade no que escolhemos consumir, dar audiência e partilhar.
BIO:
Carolina é actualmente fundadora do movimento Tipping Up, que pretende mobilizar e capacitar uma nova geração de media activists, e trabalha ainda nas Nações Unidas, no âmbito da UN SDG Action Campaign. É também Co-Directora da Sathyam Project, uma associação em Chennai (India), que trabalha na capacitação de raparigas e mulheres através da educação para quebrar ciclos de pobreza nas família. Enquanto embaixadora do #HeForShe, fundou e implementou o movimento em Portugal, mobilizando jovens para a igualdade de género e direitos LGBTQ. Durante o seu percurso, sempre trabalhou em comunicação, criação de conteúdos e impact storytelling dentro das organizações pelas quais passou e movimentos que ajudou a criar, colaborando com eventos como o #RightLivelihoodAward (também conhecido como Alternative #NobelPrize) ou a campanha ID Europa (do Parlamento Europeu). Juntou-se aos Global Shapers em 2019.
NOTA: O Observador associa-se aos Global Shapers Lisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial para, semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes da sociedade portuguesa. Ao longo dos próximos meses, partilharão com os leitores a visão para o futuro do país, com base nas respetivas áreas de especialidade. O artigo representa, portanto, a opinião pessoal do autor enquadrada nos valores da Comunidade dos Global Shapers, ainda que de forma não vinculativa.