No passado domingo houve um momento histórico para Argentina, para a América Latina e para o mundo. Foi eleito o primeiro presidente verdadeiramente liberal a nível mundial.

O que é ser liberal? O economista argentino Alberto Benegas Lynch tem provavelmente a melhor definição: é o respeito total e absoluto pelo projeto de vida de cada um, baseado no princípio de não agressão, na defesa do direito à vida, à liberdade e à propriedade privada. É um conceito complexo, que permite um amplo espectro de posições ideológicas, sendo por isso difícil dizer que um liberal é de esquerda ou de direita. Contudo, pelo facto de restringir o papel do Estado a funções essenciais no plano económico, o liberalismo é mais conotado com o centro-direita, porque defende um papel restrito ao Estado na sociedade.

Há várias definições de liberalismo e de graus de liberalismo e por isso há liberais de direita e de esquerda em questões sociais, sendo o ponto comum o facto de que todos defendem o máximo de liberdade possível para os indivíduos, o Estado de Direito, a convivência pacífica, a propriedade privada e a primazia do indivíduo perante o monopólio da força exercido pelo Estado.

Milei é concetualmente um anarcocapitalista, mas reconhece que a realidade do mundo atual obriga a fazer concessões a favor da presença minimalista do Estado, o que se traduz nas suas ideias concretas e na sua estratégia liberal libertária para a Argentina.

A maioria das pessoas não sabe o que é verdadeiramente o liberalismo e o libertarianismo, não conhece a Argentina e não conhece Javier, Milei. Perante o desconhecido, e por ignorância ou oposição ideológica, a tentação é de o desvalorizar e, para esse fim, vale tudo. Têm vindo vozes de todo o lado a apelidá-lo de louco, fascista e ditador. Os media, por conveniência, ficam-se por classificá-lo de extrema-direita. Nada mais errado, mas a verdade não importa, os adjetivos são utilizados para denegrir e isolar o desconhecido e potencialmente arriscado.

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Javier Milei é uma pessoa excêntrica. Teve origens humildes e um percurso de vida intenso nos planos académicos e social. Tem uma enorme coragem e tem uma convicção absoluta nas suas ideias e na sua missão de mudar o mundo. Quem o conhece sabe que é um economista de elevada craveira intelectual e com um conhecimento da teoria económica e monetária a um nível muito superior ao de qualquer outro líder mundial. Só estes atributos técnicos seriam suficientes para fazer de Milei uma pessoa a ouvir e respeitar, em especial num país mergulhado numa inflação de 150% e com défice das contas públicas em 113 dos últimos 123 anos, desde que abandonou as ideias da liberdade no início do século XX.

Mas, Milei é muito mais do que um excelente economista. Tem uma missão. Veio trazer à luz do dia e para todo o mundo a realidade da batalha cultural. Alex Kaiser, um filósofo chileno, disse em 2014 que o Chile tinha perdido a batalha cultural. O Chile tinha conseguido seguir um modelo económico que o transformou no país mais rico da América Latina e com a maior redução das desigualdades, mas tinha deixado as instituições e o governo serem tomadas por uma cultura neomarxista cujas consequências estão à vista. Foi uma visão premonitória, mas que infelizmente se concretizou. Basta vermos o que aconteceu no Chile no segundo mandato de Michelle Bachelet e nos anos seguintes para percebermos o caminho de declínio em que se envolveu devido às opções tomadas. Em A fatal ignorância, Axel Kaiser escreveu que os liberais e os conservadores acreditaram que apenas precisavam do crescimento económico para terem sucesso. No seu entender, as questões culturais seriam irrelevantes para o futuro do país. Não deram a batalha cultural à esquerda, e em especial à esquerda radical. Deixaram-nos a jogar sozinhos e a doutrinar as mentes. O resultado está à vista: nunca como hoje houve tanta perseguição à liberdade de opinião, nunca como hoje se cancelaram pessoas por pensarem diferente, nunca como hoje se pediu tanto a presença do Estado, nunca como hoje se utilizaram temas fraturantes da sociedade para instrumentalizarem uma agenda centrada no opressor e na vítima, num suposto jogo de soma zero, que não faz mais do que nos pôr uns contra os outros, precisamente o contrário do que defende o liberalismo.

Consequência disso: em quase todo o Ocidente o peso do Estado tem crescido, a intolerância tem aumentado e as oportunidades para o desenvolvimento individual e geral têm diminuído. Mesmo no suposto ocidente liberal, a tendência tem sido para mais coletivismo, maior tributação, maior regulação e na apologia do Estado cuidador. Esse modelo de Estado forte e com peso crescente na economia é o da extrema-direita e da esquerda, precisamente ao que Milei quer pôr fim. Ele sabe que o crescimento e o desenvolvimento fazem-se com acumulação de capital, investimento privado, comércio livre, impostos baixos e não com o Estado a redistribuir riqueza que não cria e que não deixa criar.

Milei vai muito para além do conhecimento que tem do fenómeno económico e de como fazer um país crescer. Ele acredita que o que aconteceu no Chile, Brasil, Argentina, Colômbia, Bolívia, Nicarágua, Venezuela, Peru … foi consequência das ideias do Fórum de S. Paulo, basicamente as ideias de Gramsci: o socialismo e o comunismo conseguem-se por dentro, através da conquista do poder nas instituições académicas, culturais, sociais, educativas e governamentais.

Milei defende intransigentemente o Estado de Direito, as liberdades e o comércio internacional, precisamente o oposto ao que pugnam a extrema-direita e a extrema-esquerda, que, essas sim, são muito parecidas entre si, em especial ao nível do nacionalismo e do papel fortíssimo do Estado na sociedade.

Só por ignorância ou má-fé se pode associar Milei à extrema-direita. Não há uma única medida no seu programa que possa ser associada a esta ideologia.

Como foi possível ter ganho e de forma tão contundente num país dominado por 100 anos de coletivismo? Porque falou a verdade às pessoas e estas acreditam que o modelo que tinham falhou. É triste, muito triste, que um país tenha de chegar a tal estado para as pessoas acordarem. A votação em Milei foi provavelmente a maior de sempre num candidato na Argentina e em toda a América Latina. Milei fez campanha nas redes sociais e em entrevistas nos media, não teve dinheiro para gastar. A oposição peronista lançou uma campanha de medo, do regresso da ditadura, do fim dos direitos. O governo corrupto ainda em funções gastou milhares de milhões em subsídios para conquistar votos e fez a campanha com os meios do Estado. Com um campo altamente inclinado a favor do status quo, Milei teve quase 56% dos votos e ganhou em praticamente todas as províncias, todos os estratos etários, sociais e sexuais. É um caso único de adesão de um povo a uma ideia nova.

Milei falou já nas medidas que tomará nos primeiros dias de governo:

  • Reduzirá o tamanho do Estado e começará pelo governo: de 20 ministérios passará para 8 ministérios. Desaparecem ministérios que interferem na forma como a sociedade se organiza e que não são mais do que agências de emprego e de doutrinamento.
  • Pretende resolver o problema do sobre-endividamento do Banco Central, que paga juros a mais de 100%. Terá de liquidar ativos para amortizar a Lelics e parar a emissão monetária geradora de inflação. Vai ter de resolver este problema antes de liberar os câmbios para que a economia volte a crescer. Também só depois disso poderá dolarizar (ou outra moeda) e fechar o Banco Central, causador de enormes perdas para os argentinos.
  • Privatizará a TV e a rádio públicas para que o governo não tenha canais de propaganda. Tudo o que puder estar nas mãos do sector privado estará. Algumas terão de ser recuperadas antes de serem vendidas (YPF).
  • Fará uma reforma fiscal em duas fases: como não pode baixar já os impostos, reduzirá de cerca de 170 para 10 impostos, simplificando a vida às empresas e pessoas e facilitando o crescimento futuro.
  • Desregulará a economia: por exemplo derrogará a lei de arrendamento e liberalizará o mercado de aviação na Argentina, abrindo-o à livre concorrência.

Estas medidas são um primeiro passo para resolver a gravíssima situação criada pelo coletivismo, reforçam o Estado de Direito e reduzem os custos do Estado e a inflação.

É possível que Milei não venha a ter sucesso. Nunca até hoje foi feita a experiência do liberalismo puro. Os Estados ocidentais, na sua maioria, têm avançado com estatização crescente, têm cada vez maior peso e olham para Milei como um intruso com ideias perigosas que “não podem” ter sucesso. O êxito de Milei seria o fracasso das ideias Keynesianas que são a essência da maioria das economias ocidentais. Não vai ter vida fácil na sua abertura ao mundo ocidental.

Mas, a vitória de Milei permitiu lançar a semente da batalha cultural. A partir de agora o liberalismo puro vai fazer parte do jogo e vai pôr as pessoas a pensarem. Acabou o pensamento único que classifica tudo o que é diferente de extrema-direita. Está dada a batalha cultural.

Milei é o anti Gramsci e isso é um feito único para o mundo e para as ideias da liberdade.