Imigração, insegurança, criminalidade e bairros antigos do centro de Lisboa. Eis o assunto, proibido pela esquerda até ser promovido pela esquerda, com o estrépito correspondente, numa notícia na semana passada. O Presidente da Junta de Santa Maria Maior decidiu denunciar agressões, homicídios, uma tentativa de violação, e um sentimento generalizado de medo na freguesia que ele governa. Organizou uma reunião aberta para os moradores se queixarem e para chamar a atenção dos jornais. Conseguiu. Miguel Coelho, presidente desta Junta e personagem com pergaminhos no PS, insistiu em que “nada tem a ver com etnias nem com orientações sexuais”. Não se percebe o que fazem aqui as “orientações sexuais”, suponho que os clichés saiam encadeados de esguicho, como respostas litúrgicas, das bocas devotas dos fiéis do beatismo woke. Quanto às etnias, houve durante a reunião no Hotel Mundial moradores trazidos pela própria Junta que viam as coisas de outra maneira. Mas Miguel Coelho não queria que se fizesse o “aproveitamento político”, nem alimentar a retórica “anti-imigração”.
Vou contrariar o Presidente da Junta. Não para dizer que a culpa é toda da imigração, como ele gostava que dissesse; mas para reconhecer que a imigração tem aqui um papel, é uma parte deste problema, e temos de falar de todas as partes. Ele que me desculpe, mas não o reconheço ainda como entidade certificadora de pensamento democrático, e os limites retóricos que ele quer impor não são para levar a sério. Como se verá.
O que temos é uma combinação explosiva de problemas: a atracção de muita vida noturna (como sucedeu no Bairro Alto, e com as consequências conhecidas: já nem as empresas querem ter sede ali), o que significa agitação, barulho até altas horas da madrugada, excessos, bebedeiras, e drogas (consumo e comércio); e a presença de muitos imigrantes e muitos turistas. Os imigrantes estamos impedidos pelos costumes de mencionar, mas para o turismo temos autorização, e até mostramos bons sentimentos esquerdistas, no modelo do próprio Presidente desta Junta, que não se recomenda pela sobriedade na perseguição pública e televisiva ao Alojamento Local.
A Mouraria é o bairro de onde se ouviram mais queixas, e queixas desesperadas. Não são de agora: muitas são conhecidas há anos por quem lida com estes assuntos e conhece a cidade nesta escala, como um presidente de Junta tem obrigação de conhecer. Vivem na Mouraria imigrantes sobretudo da Índia, do Paquistão, do Nepal, e do Bangladesh. Pessoas com hábitos culturais diferentes e com uma religião diferente. Mas o pior é que o bairro se tornou muito denso, com comunidades só de homens. E homens muito novos. O risco de violência não decorre só da origem ou religião: com toda a probabilidade, também aconteceria com bandos de homens portugueses – devidamente isolados, em número excessivo num pequeno espaço, e na mesma média de idades.
O facto é que acontece ali, e tem factores agravantes. A cultura que resulta daquela religião subvaloriza as mulheres. Não podemos fazer de conta que essa realidade não existiu entre nós no passado, e que não custou lutas e desgastes para a conseguir alterar, deixando para trás um rasto de heróis e de pensamento consolidado. Por outro lado, é conhecida dos poderes públicos a existência de máfias e de gangues organizados, alguns deles sucursais de estruturas criminosas internacionais, ligadas à droga e à imigração ilegal. A própria Polícia sabe disso, apesar do comentário ridículo sobre “sensação de insegurança”. E sabem também que chegou a Lisboa o Fentanil, uma droga barata, brutalmente destrutiva, que vicia num instante e faz muitos sem-abrigo. Destruiu as cidades americanas da Costa Oeste. Um flagelo que exige o reforço do policiamento e a penalização do pequeno delito, evitando que se torne cada vez maior.
Associar imigração com insegurança tem de deixar de ser uma discussão estigmatizada: a insegurança acontece por vários motivos, alguns circunstanciais. Não se pode é dizer que a imigração “não tem culpa nenhuma”. Tem alguma, sim. E a Junta descobriu de repente? Não: a Junta falou agora porque só agora as exigências recaem sobre governos, da Câmara e da República, liderados pelo PSD. A esquerda quer que a direita resolva o problema e fique com o odioso da pressão jurídica e policial, deixando ao PS as proclamações piedosas. No processo, ainda vai chamar à direita “fascista” e “populista” por tratar do assunto, como fez com Passos Coelho durante o governo do ajustamento. Em bom rigor, a imigração foi usada pelo PS para inventar tensões sociais e criar exércitos de descontentes. A esquerda foi quem fez o “aproveitamento político” da imigração. Agora não se trata de usar a imigração para fazer política, mas de usar a política para conter os danos da imigração descontrolada.