Questionam-me sobre o que mudou no Ambiente nos últimos 40 anos. De que ponto de vista? Que Ambiente? Que mudança? O que teria sido desejável?

Comecemos pelo objecto da mudança: o que devemos compreender por Ambiente? Será “o conjunto de circunstâncias físicas, biológicas, culturais, económicas e sociais que rodeiam as pessoas, oferecendo-lhes um conjunto de possibilidades para fazerem a sua vida (…) é, em poucas palavras, a envolvente vital do ser humano num regime de harmonia, que junta o útil ao agradável” como o definiu em 1995 o Tribunal Constitucional de Espanha, ou será antes uma entidade simultaneamente real e etérea, que, merecendo um Ministério próprio, ainda não conseguiu deixar de produzir instrumentos legais e administrativos que não usem o adjectivo “ambiental”? Um ministério e uma prática cultural e administrativa que coloca o ambiente numa coutada de onde só sai para justificar comportamentos ou perspectivas arbitrárias, ou justificar políticas mais ou menos discricionárias que, em última instância, representam quase (se não) sempre uma restrição das nossas liberdades e um acréscimo dos nossos deveres (impostos), sem que a tal corresponda a tão desejada e apregoada, qualidade de vida.

Isto como se se quiser, efectivamente perpetuar uma situação em que a sociedade continua a não percecionar as questões, valores e problemas envolvidos, não como algo à parte (e logo fonte de “poderzinhos”), mas como uma dimensão mais do nosso quotidiano de decisão e de vivência. Ou seja, uma sociedade em que o conceito de sustentabilidade: equilibrar criativamente a eficiência económica, a equidade social e o respeito pela capacidade dos sistemas ambientais, não passa de mais um estribilho quase catatónico, mas nunca assumido consciente e implicitamente.

A resposta à questão sobre se o Ambiente tem mudado nos últimos anos, só pode ser no sentido em que ainda não tornamos o “ambiente” algo tão normal que não precisa de ser mencionado.

Bem pelo contrário, insistimos em utilizá-lo para justificar certos espaços de arbitrariedade nos processos de decisão, ou então para “embelezar” a imagem empresarial, encarregando departamentos de marketing de realizar relatórios de sustentabilidade e de gerir, muitas vezes, o “sistema de gestão ambiental” em vez de assumir essas variáveis como essenciais ao funcionamento e sucesso empresarial.

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Mas mudámos? Sim, muito! Temos hoje um quadro que, no que se refere à qualidade dos sistemas de abastecimento de água de recolha e tratamento de águas residuais e de recolha e tratamento de resíduos sólidos e resíduos perigosos, que não sendo perfeito (nunca o é), é infinitamente melhor do que o que tínhamos (ou não) há 40 anos. Temos um quadro regulamentar nos domínios da qualidade do ambiente com um âmbito bastante exaustivo e tendencialmente integrado. Temos, contudo, um quadro legal desajustado do restante tecido administrativo, sobreposto a este como um controlador arbitrário e não como um factor de mais valias práticas, seja para a administração, seja, mais importante, para os administrados.

Mas, integramos o ambiente no nosso dia-a-dia como algo tão óbvio como gerir a casa, educar os filhos, pensar no bem-estar individual e comum, tornar a empresa ou a administração mais eficaz? Ainda não, e os responsáveis e a maioria das administrações e dos técnicos esforça-se por que não o façamos, ao utilizá-lo para afirmar pequenos (ou grandes) poderes, ao impô-lo como um custo e não como uma mais-valia, ao torná-lo mais um obstáculo no longo calvário burocrático que é o dia-a-dia dos portugueses e das empresas e organizações.

Sim, há que dizê-lo! Ao fim de mais de 40 anos de movimentos ambientais e de de presença no governo da nação, ainda não se ultrapassou a perspectiva dualista entre os maus que poluem, desordenam, extinguem e os inspirados que, de alva armadura e pesada burocracia, nos querem levar a bem ou a mal para a sua utopia, onde os nossos impulsos destrutivos serão adequadamente vigiados e controlados. Uma nova filosofia totalitária com todos os “progrom” e anátemas que caracterizaram demasiadas outras, com demasiadas vítimas.

Demasiado pessimista, eu, um técnico e professor de Ambiente? Sim! Pelo menos, enquanto não vir os custos e benefícios ambientais percecionados nos processos de decisão empresarial e administrativa na mesma base dos custos e benefícios económicos e sociais, sem que tal seja imposto por controlos administrativos vários, mas porque há a clara percepção do benefício dessa consideração. Não, enquanto o sector “ambiental” (água, resíduos, etc.) não deixar de depender de programas estruturais e de financiamento externo, mas constituam sectores empresariais economicamente sustentáveis. Não enquanto os seus custos continuarem a ser percecionados como impostos e não como custos reais. Não enquanto continuarmos a ignorar os riscos das nossas actividades industriais, preferindo pô-los para trás das costas como se não existissem e preferir os custos do tratamento (que sobram sempre para o lado da vítima) aos custos da prevenção (do lado da administração e da indústria).

Fundamentalmente não, enquanto insistirmos em abordar o ambiente como um domínio exclusivo de alguns iluminados ou especializados, mas como algo do nosso quotidiano, sem dramatismos, tão normal, como as contas do supermercado, em que o simples acto de separa e levar os resíduos aos seu destino mais adequado, se transformou num automatismo, desde a nossa casa até ao mais gigantesco conglomerado, Esse com a vantagem de ter vantagens económicas, nós, apenas porque isso é importante, afirma a nossa humanidade e qualidade enquanto seres humanos.

Com efeito, criámos uma política de gestão ambiental que, em vez de reduzir os custos ambientais e procurar internalizá-los nas actividades económicas que os originam, se prefere administrar arbitrariamente a repressão sobre (demasiadas vezes) os mais fracos, desistindo de uma política responsável de ordenamento, de zonamento do risco, de responsabilização do mesmo (através, por ex. de seguros de responsabilidade civil ajustados aos custos realmente envolvido e a uma cultura judicial, que realmente contabilize os prejuízos e abandone o princípio do benefício da dúvida para o Estado e as corporações), e se assuma, de uma vez por todas, como um regulador da responsabilidade e não como um desculpador da culpa.

Mas também ao nosso nível individual, colectivo e institucional, pomos, por exemplo, para trás das costas (as nossas propriedades) os nossos rios e ribeiros que continuamos a tratar como problemas e não como recursos, fontes de prazer, riqueza e qualidade. Enquanto pensarmos conservação da natureza como uma coisa de áreas zelosamente preservadas e de onde o homem é quase militantemente excluído, e percecionarmos, de uma vez por todas, que elas têm de abranger todo o território, que não existe uma dualidade natural / artificial, mas tão só um território que, se inteligentemente gerido, num processo envolvente e consciente, englobando todos os seus constituintes (cada um de nós, cada ser vivo e cada sistema e objecto físico ou biofísico) terá, enfim, condições para nos garantir a saúde e o bem-estar nossos e dos ecossistemas que nos suportam, enfim, garantir um desenvolvimento efectivamente sustentável. Quando passaremos enfim da política da restrição e do proibido, para a política da identificação do valor, a sua assunção enquanto comunidade e sociedade, e a sua decorrente protecção e valorização, como objectivo coletivamente aceite e assumido?

Mudou muito em 40 anos. O desafio já não é tão técnico, é essencialmente cultural, a cultura em que ser cidadão, pertencer à Polis, implica ter por intuitivo e automático, os valores e comportamentos que hoje designamos de ambientais e que gostaria que passassem a ser os que realmente nos torna humanos. O desafio de deixarmos de perguntar o que mudou no Ambiente, para perguntar o que mudou na nossa qualidade de sermos humanos com a Natureza que integramos e de que dependemos.

Com efeito, o desafio que a política do ambiente nos coloca não é o da restrição das nossas pulsões, estritamente biológicas e inatas, de utilizar os recursos que dispomos em nosso benefício imediato, mas antes, de afirmarmos a nossa humanidade e capacidade de conhecer, reconhecer e compreender, para aprendermos a gerir, pensando no benefício, sim, mas no benefício perdurável, no benefício em que mais do que uma satisfação imediata e de expressão rápida e sabor mais ou menos amargo a prazo, se materialize numa satisfação não só imediata, mas que também gerou valores e recursos que garantem satisfações a prazo.

Em suma, pautarmos os nossos comportamentos pela capacidade de ter prazer em plantar hoje as árvores que darão sombra aos nossos netos, mesmo que isso nos dê uma valente dor de costas. Dos comportamentos de que, não sentiremos masoquistamente como um prazer, mas que assumamos, conscientemente, como um dever que nos beneficia e gratifica.

Importa, pois, abandonarmos o caminho que transformou uma utopia criativa, num inferno regulamentador, arbitrário e desresponsabilizador. Importa que o ambiente não seja mais a desculpa dos políticos covardes, ou dos oportunistas militantes, mas que passe a ser, normalmente, uma componente tão natural do nosso dia-a-dia, como trabalhar empenhadamente, solidarizarmo-nos conscientemente e preservarmos e valorizarmos os nossos recursos na consciência de que eles são a herança última que deixamos aos nossos filhos, para que eles não vivam tão vem como nós mas melhor, como aconteceu connosco relativamente aos nossos pais. Sem essa herança não seremos nada, económica, social, ou ambientalmente. Teremos renegado a nossa natureza humana, a nossa natureza de criadores, de construtores de futuros, mais do que de utopias!

Professor da Universidade de Évora