Ao contrário do que é esperado dos homens, o “segundo sexo”, infelizmente, foi impossibilitado muitas vezes de dar a vida ou apenas as suas ideias para salvar e fazer evoluir as suas nações. E quando nisto vencera, a História decidiu apagar estas conquistas, pelo que urge a necessidade de definir mulher em contexto bélico, já que outrora não o fizeram. Eis o que tem sido proposto.
Guerreiras
Quanto à lei adotada na Ucrânia que proíbe a saída de homens do território ucraniano, esta vai ao encontro do ideal tóxico de masculinidade que tem sido pregado. Ora, a lei ignora toda uma multiplicidade de características que podem ser atribuídas aos homens nacionais, que não são certamente armas – são pessoas, e deveriam ter a possibilidade de escolha inerente ao conceito de “ser”. Para além de que, apesar de todos os esforços arrepiantes de defesa ucraniana, todos sabemos que, ao contrário de quem corre por gosta, que não cansa, quem fica num país contrariado não se moverá por amor.
Do outro lado da moeda, as imagens de várias mulheres voluntárias a integrar o exercício ucraniano secaram as gargantas de pessoas do ocidente ao oriente. Aplaudimo-las, mas exigimos dos homens o mesmo, sem os considerarmos mártires.
Não são elas diferentes deles, já que todos tinham comportamentos semelhantes naquilo que era o seu dia a dia – devoravam “Netflix”, só se deslocavam com GPS ativo nos seus telemóveis e viviam mais intensamente naquilo que são as redes sociais, do que na vida real. Dito isto, nem uns nem outros nasceram com uma pistola no berço, portanto é difícil perceber porque não tem sido exigido e aplaudido o mesmo dos dois.
Mães
Prosseguindo para a análise de outra notícia, – a que comunicava às mães russas que poderiam ingressar na nação vítima para “recolherem” os seus filhos – esta demostra o lado humano dos “decision makers” ucranianos, mas peca.
Peca por dois motivos: porque é dirigida apenas a mães russas, o que anui com o estigma de que os “meninos” pertencem às suas mães, como se crias fossem; e porque presume que todos os pais (homens) se juntaram ao exército russo, mas que nenhuma mãe fez o mesmo. Logo a Rússia, que foi um dos primeiros países a permitir a mulheres integrarem oficialmente o seu exército!
Objetos sexuais
Mais antiga foi a publicação da notícia que informava que os soldados russos enviaram mensagens e convites a utilizadores ucranianas de apps de encontros. Mal a li comentei “que interessante, isto prova que apesar de milhares estarem a lutar com as suas vidas, a humanidade e necessidade de convivência social sem estigmas étnicos, mantém-se”. Recebi como resposta um riso prolongado e a explicação de que seria uma manobra, do género “até as vossas mulheres são nossas”.
Pior, surgiram agora notícias indicativas de que tem havido relatos de violações cometidas por soldados russos na Ucrânia. Consiste, nisto, a terceira definição de mulher em clima bélico, a pior e que mais nos enoja: meros iscos e objetos sexuais, cujos corpos servem apenas como meio de irritação dos homens. De repente, recuámos à Idade Média, na qual violar é um instrumento para conquistar terra, através da imposição de medo.
Relativamente aos homens, insistimos em vê-los como seres fortes, resistentes e impenetráveis em qualquer circunstância e exigimos, assim, aos mesmos, que estejam dispostos a dar as suas vidas para se alistarem num exército e lutarem pela sua pátria, ignorando a sua condição física, psicológica, mental e relacional e ignorando, assim, os seus medos, traumas, necessidades e deficiências. Talvez, se as mulheres tivessem governado desde o início da humanidade, não se teria inventado este conceito que é a guerra. Não, não quero com isto dizer que existe guerra por causa dos homens, de maneira nenhuma. Afinal, não os considero animais não racionais, mas questiono-o apenas porque às mulheres nunca foi exigido ou esperado que agissem com violência, nos seus conflitos, antes pelo contrário.
Não podemos cair no erro de achar que falar de questões de género no meio de uma guerra é um preciosismo. Esta dicotomia de que vos falei é a prova que precisamos do feminismo, isto é, a igualdade de género, já que este ajuda homens e mulheres a nível mundial, porque os liberta dos seus papeis de género tipicamente atribuídos. E vimos que se existe esta atribuição no dia-a-dia, esta é feita de modo gritante em clima bélico.
Mulheres e homens são seres humanos complexos que não podem ser definidos nem com base num conjunto de características estereotipadas nem com base em papeis mutuamente exclusivos. Somos todos seres humanos, mas sê-lo não nos dá o direito de ditar aquilo que um ou outro devem ser, principalmente quando milhares de vidas estão em jogo. Ao invés, proponho que deixemos que cada um seja aquilo que quer e que lute as batalhas que para si forem importantes e possíveis de combater.
Deste forma, teremos algo em comum: seremos todos bons naquilo que nos une, ser seres humanos.