O novo aeroporto de Lisboa pode tornar-se uma triste anedota se a gestão do seu projeto e construção  correrem intempestivamente mal e erradamente. Chegando-se à impossibilidade de expansão do Aeroporto Humberto Delgado (antigamente designado por Aeroporto da Portela) por se ter deixado  crescer a zona metropolitana de Lisboa à sua volta, e depois de resolvidos os crónicos problemas de base  da população, ou seja, Saúde, Educação, Segurança Social, Crescimento Económico e Soberania Financeira, e havendo dinheiro, torna-se inevitável a construção de um novo aeroporto, moderno e com capacidade  de expansão em caso de necessidade. E já começou mal com a discussão sobre a sua localização que se  iniciou pouco tempo depois da inauguração do Aeroporto da Portela, para prosseguir ao longo de dezenas  de anos, perante a apresentação de várias soluções de localização que saltitaram em função dos diversos  técnicos envolvidos e dos interesses em jogo. Quem foi beneficiado com a informação que o novo  aeroporto iria para a OTA e comprou terrenos aí perto, com a perspetiva de fazer negócio com a sua  valorização, deve estar muito desapontado. Ou talvez não, porque os terrenos valorizam-se sempre e são  um bom investimento, pois ao contrário do investimento imobiliário para arrendamento, não dão a chatice  de terem inquilinos e se for para venda, são investimentos que não sofrem com as flutuações do mercado.

Dito isto, e como em todas as séries, por vezes desvia-se do roteiro sequencial e sobre este assunto proponho a leitura da história do novo aeroporto de Berlim-Brandemburgo.

Devido à impossibilidade de expansão dos aeroportos existentes, em 1991 foi criada uma comissão para estudo da localização do novo aeroporto perto de Berlim. Só em 1996, cinco anos depois, para substituição  dos aeroportos de Tegel, Tempelhof e Schönefel, a comissão propôs para nova localização… O aeroporto  de Schönefel! Na altura, este aeroporto já tinha duas pistas de comprimento razoável e um terminal.  Teoricamente, este terminal podia ser expandido e havia espaço para a construção de um eventual novo  terminal. Ora apesar da existência de duas pistas, estas estavam muito próximas uma da outra, pelo que  de imediato surgiu a necessidade de construção de uma nova pista, anular uma das existentes e construir  um terminal entre a outra existente e a nova a construir, com bastante espaço de estacionamento e  terreno na eventual necessidade de expansão. Esta é a conceção dos novos aeroportos modernos, que  possibilita grandes faixas de passagem entre pistas e facilita o trabalho dos controladores aéreos, das  tripulações e o escoamento de tráfego.

Para esta alteração de projeto, foram necessários mais alguns anos, e só em 2006, dez anos depois da  definição da nova localização, o projeto foi finalmente licenciado para construção. Portanto, decorreram  15 anos para que este projeto visse nascer a sua construção, com previsão para entrar em operação em  2011. Ou seja, no total um processo para demorar 20 anos. Entretanto, no decorrer do processo e com  este planeamento, foi encerrado o aeroporto de Tempelhof, e ficaram os aeroportos de Tempel e  Schönefel em operação, com previsão do encerramento do aeroporto de Tempelhof em 2008, o que  efetivamente aconteceu. E foi então que inexplicavelmente, começou a correr tudo mal.

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A pista que foi desativada serviu de base para parte da autoestrada que ligaria o novo terminal de  Schönefel a Berlim. O projeto do novo terminal previa uma conceção em forma de U, o que daria de  imediato origem aos Terminais 1 e 2. O Terminal 2 estava eventualmente destinado às companhias low  cost e o Terminal 1 juntamente com o antigo terminal (que estranhamente se passou a designar por  Terminal 5 talvez na eventualidade de expansão com novos terminais) destinado às restantes companhias.  Durante a construção, este terminal seria encerrado para profundas obras de remodelação.

Durante a fase de planeamento da construção, um dos problemas a resolver era a comunicação entre  Berlim e os terminais, o antigo e o novo. Pelo que se colocou a necessidade de construção de uma linha  ferroviária de ligação com uma duração de viagem não superior a 30 minutos. A estação e a linha  ferroviária ficaram prontas em 2011, mesmo a tempo do início de operação do novo aeroporto. Porém,  esta linha ferroviária não teve possibilidade de utilização durante nove anos e vamos ver porquê

Ora o que se passava era que havia um “pequeno” atraso nas obras agora com conclusão prevista para  2012, meta que muito depressa se revelou impossível de conseguir. Perante este facto, a equivalente à CP  na Alemanha e a maioria das empresas envolvidas neste projeto ferroviário, começaram a exigir  compensações por falta de passageiros, devido aos custos que tiveram com a construção e prejuízos  acumulados por inatividade. Tinham investido enormes recursos financeiros e agora tinham que estar à  espera da conclusão das obras.

E esta situação era apenas o início dos problemas. Ao contrário do Aeroporto da Portela a expansão do  novo aeroporto de Berlim, apesar da grande área que dispunha, estava a ser realizada na proximidade de  zonas urbanizadas. Isto obrigou o Governo Alemão a realizar as obras necessárias de adaptação dos  imóveis residenciais em termos de isolamento acústico, e ainda mais complicado, porque eram edifícios  já existentes, a resolver os problemas de ventilação porque os moradores não podiam abrir as janelas para  ventilar as casas por causa do ruído e foram instaladas janelas novas em todos os edifícios mais expostos  ao ruído do aeroporto. Na realidade, estas obras determinaram mais custos, mas não foram o que  determinou os maiores atrasos na construção do aeroporto. O que foi mais embaraçoso e causador de  atrasos e derrapagem do orçamento estimado, foi a resolução de imensos erros de projeto e desastrosos  defeitos de construção. Por exemplo, a parede principal do novo terminal estava virada para Oeste, de  onde era proveniente chuva e vento e na qual estavam instaladas aberturas de ventilação que deixavam  inundar as obras permanentemente e eram causados danos que era preciso reparar. No Hemisfério Norte,  as baixas pressões circulam no sentido anti-horário de Oeste para Este (em Portugal que fica cá mais para  Sul, maioritariamente de Sudoeste para Noroeste). Outro erro desastroso foram as tubagens de  arrefecimento com um comprimento de 60 Km, que foram montados sem isolamento térmico. Foi  necessário proceder à demolição de várias paredes já construídas para ter acesso às tubagens. Outros  defeitos menores de construção motivadores de atrasos, foram tubagens e instalações elétricas  defeituosas que tiveram de ser substituídas.

Mas o problema mais absurdo que foi necessário resolver foi o sistema de proteção contra incêndios de  todo o terminal. Foram detetados sistemas de alarme e de supressão de explosão e incêndio  completamente inapropriados, e para culminar todo o projeto era no mínimo totalmente questionável.  Para manter o ambiente do teto do terminal bonito, limpo e apelativo, o sistema de proteção contra  incêndios foi concebido para ventilar os fumos para baixo do pavimento do terminal e daí extraídos por  ventilação adicional. Sem surpresas, o sistema não funcionou, pois, a Física sobrepôs-se ao projeto e os  fumos quentes subiam em vez de descerem, independentemente dos ventiladores utilizados.  Posteriormente, veio a saber-se que o engenheiro que concebeu o sistema, na realidade não era  engenheiro, mas sim um desenhador técnico (Cabe aqui sublinhar por experiência profissional própria,  que isto nunca aconteceria em Portugal onde grandes empresas de projeto que já não existem, dependiam  de um punhado de desenhadores técnicos com muitos anos de experiência e eram eles que faziam a  tarimba aos jovens engenheiros saídos das nossas escolas de engenharia, cheios de teoria mas sem prática  de projeto e obra e estes desenhadores, já designados por desenhadores-projetistas, eram perfeitamente  capazes, cada um na sua especialidade, de desenvolverem um projeto desta dimensão com uma equipa  de coordenação de engenheiros de cada especialidade. Quando a Delco Remy decidiu construir a sua  fábrica para os lados de Palmela, enviou um engenheiro que se fez acompanhar de um desenhador projetista português e foi esta pequena equipa que desenvolveu o projeto. A empresa de consultores quefoi contratada, apenas se limitava à coordenação com ministérios, municípios, etc. Foi esta equipa que  exigiram. Metodologia tradicional portuguesa?). Entretanto, nas obras do novo aeroporto de Berlim, o  projeto do sistema contra incêndios e de extração de fumos teve que ser todo refeito, desta vez com  extração de fumos pelo teto do terminal, mas só foi concretizado depois da substituição de todas as  canalizações elétricas e sistemas de controlo.

Obviamente, um erro desta dimensão custou milhões e causou atrasos significativos no calendário das  obras. Mas os problemas ainda não tinham ficado por aqui. O que se tornou embaraçoso foi que tudo foi  mantido em segredo até ao derradeiro minuto, incluindo as companhias aéreas que aguardavam a  conclusão das obras e a entrada em operação do terminal, assim como todos os trabalhadores que tinham  a expectativa de começar a trabalhar pelo menos em 2012.

Neste projeto estava previsto que o aeroporto de Tegel seria encerrado logo que o aeroporto estivesse  pronto a entrar em operação e equipamento de controlo aeronáutico no valor de milhões de euros e ainda  milhares de pessoas ligadas à atividade aeroportuária em Tegel seriam transferidos para Schönefel de um  dia para o outro. Esta operação exigiu um planeamento e organização muito demorados e de elevado rigor que assim se tornaram completamente inúteis. Para cúmulo a menos de um mês da inauguração  anunciada, a equipa de gestão do novo aeroporto ainda considerou contratar uma equipa de 800 vigilantes como apoio para deteção de possíveis focos de incêndio e fumos, para justificar mais atrasos o  que obviamente não veio a acontecer e espoletou muitas demissões sem indemnização (procedimento  tradicional também em Portugal?), o que desencadeou o foco em quanto já iam as contas de toda esta  trapalhada.

Vamos então agora analisar os custos de todos estes acontecimentos: o orçamento adjudicado era de 2800  mil milhões de euros e por esta altura (2012) já tinha derrapado para 4500 mil milhões de euros e  eventualmente “no fim do dia”, iria custar cerca de 10000 mil milhões de euros (respetivamente 2,8 triliões  de euros, 4,5 triliões de euros e 10 triliões de euros). Pois embora com o passar do tempo, as obras iam  progredindo, com os atrasos, as que já estavam feitas necessitavam de manutenção na situação caricata  de não serem utilizadas por passageiros e companhias aéreas.

O novo aeroporto entrou finalmente em funcionamento, mesmo a tempo do termo do confinamento por  causa da pandemia Covid. A data de abertura ao público foi outubro de 2020, só trinta anos depois do  início da constituição da comissão técnica para estudo da localização do aeroporto.

Esta história é interessante para Portugal. Com o nosso domínio feroz dos dinheiros públicos, nossa  capacidade de tomada de decisões tecnicamente inatacáveis em tempo útil, pois face à trapalhada  montada e característica dos Alemães (?), a nossa perícia na gestão de obras com cumprimento rigoroso  dos prazos e dos orçamentos e a contratação de projetistas e empreiteiros com equipas altamente  qualificadas (?), perdemos uma boa oportunidade de termos sido consultores do Governo Alemão e  gestores deste processo e de fazermos mais e melhor? Aprendamos com os nossos erros e com os dos  outros e quando chegar o momento próprio (ou seja, quando houver dinheiro), mostremos do que somos  capazes e façamos destas nossas qualidades um nicho de mercado para a construção de novos aeroportos em todo o mundo (?), em especial do nosso, incluindo a ponte ferroviária/rodoviária e acessos. Tudo a  tempo e horas e com contas certas?

Antes de se gastar dinheiro público pede-se com a leitura deste exemplo, a humildade de se reconhecer  o que pode correr mal e é responsabilidade do Estado e das equipas de projeto, fiscalização e  construção, o rigor do compromisso orçamentado e da qualidade das equipas de projeto, fiscalização e  de obra.