Por princípio não tenho nada contra as maiorias absolutas. Elas podem permitir definir objetivos ambiciosos e traçar caminhos mais rápidos e coerentes para os atingir.
Claro que elas têm que ser temperadas com humildade democrática e com a existência de uma cultura de contrapoder a ser exercida pela oposição, pelo PR, pelos órgãos de comunicação social e por uma opinião crítica e vigilante.
A primeira maioria absoluta de Cavaco foi um governo francamente bom, e mesmo o governo maioritário do inenarrável Sócrates não foi um mau governo. As maiorias absolutas podem ajudar a que quem tenha projetos, ideias e rumos os possa implementar.
O problema deste governo não é, especialmente, o de ser de maioria absoluta. O problema deste governo é ser um autêntico deserto de projetos, ideias ou rumos. Quando o governo era minoritário tinha como ilusório alibi o facto de os parceiros de extrema-esquerda que escolheu, jamais permitirem a implementação de medidas que modernizassem o país e lhe conferissem competitividade. Agora que o PS está só, no seu labirinto, a profunda aridez de pensamento e a vontade de ter o poder, apenas pelo poder, é indisfarçável. A única motivação política de António Costa foi desalojar Passos Coelho e permitir assim a reentrada na arena daqueles que se julgam donos da quinta, os socialistas. A única medida de fundo que tomou foi, através do “melhor amigo” que depois chegaria a administrador, reverter a privatização da TAP, com as consequências que bem conhecemos. Mesmo quem se interessa por política desconhecerá o nome de vários ministros. Eles não têm qualquer ideia, ou estratégia, a implementar. A maioria deles não fará muito mais do que o amanuense de serviço que conta os dias que faltam para o final do mês.
Será mesmo que nos temos que habituar a ter mais quatro anos desta navegação à vista em ambiente de Titanic? Não sei, mas acredito que apesar do cenário de extrema mediocridade, este regime está para continuar. Quando, já há uns bons anos, o psicólogo social neerlandês Geert Hofstede estudou, de modo comparativo, a cultura de diversos países concluiu que é em Portugal onde mais se “evita a incerteza”, o português tem pânico do desconhecido, mesmo quando o conhecido é manifestamente mau. Isto conjugado com uma cultura de coletivismo e orientação para o curto prazo, também identificados pelo mesmo Hofstede, permite-nos compreender bem de como o país se sujeita ao atual PS, num sentimento próximo de síndroma de Estocolmo em que a vítima se enamora do algoz.
Enquanto o descontentamento não alastrar e não se ver refletido em sondagens que penalizem fortemente o partido do poder, não há razões para ter esperança numa mudança. O Presidente da República não pode arriscar dissolver a assembleia da república, alegando não existir funcionamento regular das instituições, se não tiver uma clara convicção que os resultados eleitorais irão penalizar fortemente o Partido Socialista, e permitir uma alternância democrática. Se tal não acontecesse o Presidente sairia extremamente enfraquecido, numa situação próxima da insustentabilidade, não podendo tal ser resolvido apenas com uma injeção de selfies e afectos.
E pronto, é com esta previsão pouco otimista que encerro o ano. Espero que a realidade seja mais radiosa que o vaticínio. Um feliz 2023 para todos.
Nota editorial: Os pontos de vista expressos pelos autores dos artigos publicados nesta coluna poderão não ser subscritos na íntegra pela totalidade dos membros da Oficina da Liberdade e não reflectem necessariamente uma posição da Oficina da Liberdade sobre os temas tratados. Apesar de terem uma maneira comum de ver o Estado, que querem pequeno, e o mundo, que querem livre, os membros da Oficina da Liberdade e os seus autores convidados nem sempre concordam, porém, na melhor forma de lá chegar.