Se formos obrigados a escolher, houve um vencedor da noite: Kamala Harris, e por consequência um perdedor: Donald Trump, mas após 1h30 de insultos, mentiras, jornalistas parciais e nenhum plano concreto para resolver os problemas fundamentais que os EUA enfrentam, os verdadeiros perdedores são os milhões de americanos que têm a difícil escolha pela frente de votar entre alguém sem conteúdo e que não sabem o que representa, ou alguém com um ego tão grande que quando atacado perde a concentração, a disciplina e começa a divagar. É isto realmente o melhor que os Estado Unidos têm para oferecer?

Kamala ganhou este debate graças a uma preparação muito forte e a uma estratégia simples e concisa, que, se formos justos, foi executada na perfeição: jogar com as emoções de Trump e deixá-lo mostrar o quão instável consegue ser. Durante alguns momentos do debate, parecia que estava a assistir a um combate de boxe — quando lhe faziam perguntas difíceis, com um jogo de pés ágil, Kamala evitou responder a perguntas para as quais não tem resposta e atacou Trump sobre um assunto completamente diferente. Em relação ao tema de imigração — uma das maiores preocupações dos Estados Unidos – fê-lo de forma brilhante: à pergunta “Porque é que o governo esperou até 6 meses das eleições para agir?” acabou a responder “as pessoas vão-se embora mais cedo dos comícios de Trump porque ficam exaustas e aborrecidas”, uma ligação estranha, mas suficiente para perturbar Trump e fugir ao tema que a assombra. A partir deste momento, Kamala teve Trump exatamente onde queria, e ele não conseguiu recuperar até ao discurso final.

Apesar desta ter sido a estratégia certa para garantir uma vitória no debate, os eleitores devem olhar de forma mais profunda para a campanha eleitoral dos democratas e lembrarem-se de que ainda há uma grande questão que Kamala tem de responder: o que é que ela defende? Em linha com a campanha do primeiro-ministro inglês Keir Starmer (o que não é surpreendente uma vez que a campanha democrata está a ser aconselhada por um dos seus principais estrategas), Kamala tem sido pouco explícita em relação ao que é o seu programa eleitoral e tem copiado as mesmas frases chave do político inglês (certamente à espera do mesmo resultado): “Acabar com o caos” e “Está na hora de virar a pagina”, o que ela se parece esquecer é que é ela quem está no atual governo – não Trump. Será que ela quer dizer “acabar com o caos” criado pelo partido democrático enquanto ela foi vice-presidente e “virar a página” para uma era do partido republicano? Não ficou óbvio.

Os americanos merecem ser informados sobre os factos e saber exatamente no que estão a votar, dizer que quer criar uma “Economia de oportunidades” – que até este momento não é claro o que implica – e que os seus valores não mudaram – apesar do posicionamento em assuntos fundamentais mudar constantemente – não é suficiente e não pode ser suficiente.

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Trump, por outro lado, devia ter tido uma narrativa clara suportada por três temas para ganhar o debate: nas questões relevantes, como a economia e a imigração, os americanos estão melhores ou piores do que há 4 anos? Kamala está no governo há 3 anos e meio, porque é que ainda não pôs em prática nenhuma das políticas que diz que vai implementar se for eleita? Como é que os americanos podem confiar em alguém que não é claro sobre aquilo em que acredita e que muda de opinião consoante o que lhe dá mais votos? Infelizmente, o ego de Trump levou a melhor e certamente não seguiu aquilo que a sua equipa o tinha preparado para fazer, perdendo assim a oportunidade de debater em profundidade qualquer um dos três. Em vez disso, foi defensivo, impulsivo e, por vezes, absurdo.

Em três dos tópicos mais importantes do debate, Trump perdeu para si próprio ao entrar em divagações hiperbólicas: no tópico mais fácil para ele – a imigração – não conseguiu fazer com que os seus argumentos fossem eficazes, acabando por cair num caminho desastroso quando argumentou que “os imigrantes estão a comer os nossos animais de estimação”, o que foi verificado em direto como falso pelos entrevistadores, no que diz respeito ao aborto, argumentou continuamente que os democratas apoiam “a execução de bebés depois de nascerem” e “o direito ao aborto no 8º e 9º mês”, o que foi novamente verificado em direto como falso pelos entrevistadores (nesta altura, aparentemente confusos com a sua função, também a representar o partido democrata como participantes no debate), em relação a política internacional Trump parece saber algo que o resto do mundo não sabe, uma vez que argumenta que terminava com o conflito entre a Rússia e a Ucrânia e com o conflito entre Israel e o Hamas nas primeiras 24h após ser eleito.

Trump deveria ter mostrado que é um candidato sóbrio, mas em vez disso foi o “Biden” deste debate.

Para um eleitor que estivesse indeciso sobre em quem votar, este debate pode o ter ligeiramente influenciado a votar Kamala, mas não nos deixemos enganar, de forma alguma isso foi motivado por conteúdo — não aprendemos nada de novo neste debate.