Há momentos do ano em que tenho medo. Como este, que é altura de notas. Porque muitos pais, orgulhosíssimos dos seus filhos, lhes criam a eles e às outras crianças circunstâncias muito difíceis!

Fiquemo-nos por aquilo que se passa nos quatro primeiros anos do ensino básico. O que se ganha quando se expõem, nalgumas escolas, as notas destas crianças? Na verdade, não se trata de esperar que quer as suas dificuldades como os seus méritos sejam clandestinos, até porque as crianças se comparam entre si. Mas, mesmo assim, o que é que se ganha quando há mães e pais (embora, “regra geral”, os pais vão muito menos ver as notas dos filhos) a anotar as classificações dos amigos dos filhos, a comentá-las e a insurgirem-se com elas, em público, diante das próprias crianças?

O que se ganha quando algumas destas crianças — que terão ficado aquém daquilo que as mães entendiam ser justo para os filhos — são severamente repreendidas, à frente de todos, e, muito pior, com o argumento de que os colegas A e B tiveram melhores resultados que ele? O que se ganha quando algumas destas mães debatem no WhatsApp as notas das crianças, dando-lhes uma importância que elas não têm? O que se ganha quando há pais a premiar com comentários públicos de parabéns no Instagram as notas dos filhos, quando não fica muito claro se se congratulam com os resultados do seu trabalho ou com a forma como parecem alimentar a sua vaidade?

E o que dizer quando são as próprias crianças a competir entre si por melhores notas e a chamar aos colegas com mais dificuldades, naquele momento, alguns nomes feios (porque, afinal, não aprendem da mesma maneira e à mesma velocidade)? E o que se ganha quando os pais, de forma demasiado passiva, reconhecem que há turmas do primeiro ano (!!) em que as crianças são “muito competitivas” entre si, como se os pais e as escolas fossem estranhos a isso, e nada pudessem fazer para pôr cobro a essa deriva e as escolas destas crianças fossem campeãs dos défices de atenção e não só não entendessem o absurdo que isto lhes representa como não deixassem de o incentivar, mais do que parece?

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Por favor, as crianças saudáveis não tiram sempre boas notas! Aprendem com os erros. Precisam dos enganos. E crescem com os insucessos. E convém não esquecer que as notas delas são mérito seu, claro, mas também não são estranhas à sensatez dos programas e à qualidade da escola e do ensino.

Por tudo isso, o que se ganha ao transformarmos crianças, que todos desejamos que aprendam a aprender, em bons alunos? Haverá, por acaso, bons alunos sem bons professores? E não é, igualmente, verdade que as notas de algumas destas crianças são um trabalho de parceria com alguns destes pais e mães, que estudam com elas, e que, por vezes, prescindem do seu trabalho em nome dos resultados escolares dos seus filhos? E não é verdade que todas as crianças são inteligentes e todas elas têm, nalgum “cantinho” da sua aprendizagem, algumas necessidades educativas especiais?

Por tudo isso, por favor, não atribuam às notas a importância que elas não têm. E não se esqueçam que, na ânsia de as terem a conquistar bons resultados, há pais e escolas a transformar crianças saudáveis em “alunos” com dificuldades…

*Eduardo Sá é psicólogo clínico e psicanalista. Este texto foi publicado originalmente em eduardosa.com