No filme Gladiador, do realizador Ridley Scott, existe um momento, discreto, com uma severa crítica social para a altura dos Jogos Romanos mas que pode ser transportada para os dias de hoje. Maximus, brilhantemente representado por Russell Crowe, ao ganhar um conjunto de combates num qualquer coliseu secundário, vira-se para a plateia, que está em silêncio, impressionada pela sua capacidade de lutar, e grita, “Are you not entertained?!” A tradução para português não faz a frase soar tão bem como no original, podendo ser ‘Não estão entretidos!?’, ou ‘Não estão divertidos?’. A crítica oferecida nesse momento é a necessidade da plateia, do espectador, do ser humano, de ser entretido, de estar divertido, mesmo na face do caos, da brutalidade e do sofrimento.

O entretenimento preenche a nossa vida, e é procurado para completar outras necessidades. Pode ser encontrado na arte, no desporto, na filosofia, nas relações humanas. Porém, normalmente, não se pensa em governação e em política como uma fonte de entretenimento. Ao longo do tempo, políticos souberam explorar a vertente de entretenimento para fazer o cidadão ignorar questões de governação. Voltando ao império romano, desta vez no mundo real, pão e circo foi um tipo de política implementada durante a administração de Caio Semprônio Graco para condicionar o interesse da plebe romana pelas maquinações da política. Em Portugal, basta lembrar os três f’s, “Futebol, Fado e Fátima”, que serviam para distrair os portugueses da administração brutal e empobrecedora do Estado Novo.

Política e governação tendiam, até há bem pouco tempo e de uma forma maioritária, a ser vistas como uma atitude nobre e um comportamento sério. Uma esfera de intervenção para os mais instruídos, com mais conhecimento técnico, ou sociológico, ou com a experiência de anos passados no processo que se traduz em legitimidade e valor. Esta majestade e valor têm-se perdido gradualmente, também em Portugal, para dar lugar a arruaceiros, oportunistas e cínicos. Políticos que se apoiam em mensagens de populismo infantil, ou com certezas típicas de quem sofre do efeito Dunning–Kruger, onde os ignorantes e incompetentes tendem a sobrestimar as suas capacidades mentais ou de liderança.

Nos Estados Unidos da América, este fenómeno é ainda mais extremo (como são muitas coisas naquele país). Nos últimos anos a política nos USA passou a ser clubismo, interesse desmedido, matéria para polarização e guerras culturais. A percentagem de americanos que agora querem prestar atenção à política para estarem entretidos merece uma reflexão cuidada. No primeiro debate para a nomeação do candidato pelos Republicanos para a eleição presidencial de 2024, quando confrontados com a pergunta “apoiaria o candidato Trump para a eleição mesmo que seja condenado em tribunal”, sete em nove levantaram o braço a dizer que sim. O que seria impensável observar na política americana há uma década, o partido Republicano estar perfeitamente confortável com um criminoso a ser o seu representante, é agora uma inevitabilidade. E esta normalização absurda acontece porque a base do partido assim o quer. Uma sondagem da Reuters/Ipsos mostra que 35% dos Republicanos disseram que votariam em Trump mesmo que fosse condenado por um júri de pares, e 28% disseram que votariam nele mesmo que estivesse preso no momento da eleição.

Haverá um segmento da população americana, e, diga-se, tanto do lado dos Republicanos como dos Democratas, que está animado (por razões diferentes) para ver Trump nos tribunais enquanto faz campanha para a nomeação. De saber se os julgamentos vão acontecer antes das eleições. Se os seus coconspiradores vão testemunhar contra ele, ou se preferem ir para a prisão do que denunciá-lo. Se o partido Republicano continuará a apoiar o seu líder à medida que mais informação dos seus alegados crimes são tornadas públicos. Se haverá câmaras nas salas de audiências. Se Trump irá quebrar as condições para estar em liberdade enquanto espera pelos julgamentos. Em última análise, se o vencedor na nomeação poderá estar em prisão efetiva (apesar de muito improvável) enquanto aceita a nomeação, ou quando concorrer para presidente.

Está assim montado um circo que traz uma nova dimensão de entretenimento, seja por identificação ou schadenfreude, para experimentar no Twitter (este autor recusa-se a usar a expressão que o dono da companhia quer), em blogs, em programas televisivos ou talk radio. E a política deixa de ser uma forma de servir o público, de zelar pelos seus interesses, de trabalhar para o bem comum, e passa a ser um espetáculo para entreter as hostes, fazendo com que se vote na pessoa mais estapafúrdia, inconsequente e ignóbil porque é divertido. É a política-entretenimento como a forma de convencer o cidadão de qual é a sua melhor representação. É um cenário confrangedor e aflitivo, mas parece-me ser muito complicado voltarmos ao que era (devia ser).

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