Luís Montenegro assumiu a derrota, mas disse que ganhou “muito alento” para prosseguir nos próximos anos. Pedro Nuno Santos ficou extasiado com a vitória, mas anunciou que será “oposição responsável” e que só quer que o governo converse com o PS. André Ventura teve a primeira derrota eleitoral em cinco anos e precisa de tempo para reorientar a estratégia. Ficou claro um traço comum aos três homens que podem provocar a guerra nuclear: nenhum dos três quer eleições antecipadas. E isso significa que o grande vencedor das europeias foi Marcelo Rebelo de Sousa.

A confirmação de que o espaço não-socialista é maioritário em Portugal (PSD, IL e Chega tiveram 50% dos votos certinhos) mostrou a Pedro Nuno Santos que, a curto-médio prazo, não terá uma maioria à esquerda no Parlamento que lhe permita ser uma alternativa à AD. Luís Montenegro conseguiu perceber que, indo a votos novamente a médio prazo, nunca conseguiria uma maioria sem o Chega. E André Ventura interiorizou que, se for a legislativas em breve, pode não chegar aos 50 deputados que tem atualmente. Os três sabem ainda que, aquele que ficar rotulado como responsável por atirar o país de novo a votos, será castigado nessas eventuais legislativas antecipadas.

O resultado traz, por isso, uma consequência direta: independentemente das cambalhotas que os três derem, o mais provável é que o Orçamento do Estado para 2025 seja viabilizado na AR em outubro. E é provável porque esse cenário é o mais útil para as ambições futuras dos três. A dúvida é se quem vai ceder será o PS (que aí teria de criar uma task force, do estilo versão socialista da equipa Catroga no OE2011) ou o Chega (que obrigaria a AD a dar-lhe a paternidade de várias medidas em troca). Os dois vão andar a medir-se porque ambos preferem que seja o outro a dar a mão a Montenegro.

O calendário está do lado do líder do PSD que, enquanto as eleições vão e vêm, vai se afirmando como um primeiro-ministro simultaneamente contestado e inderrubável. Condição que o seu principal adversário, Pedro Nuno Santos, sintetizou bem na noite eleitoral: “Não é o Governo que ficou em causa nestas eleições, mas sim uma determinada forma de governar”. Com este cenário, há pouca margem para que PS e Chega chumbem o próximo orçamento, sabendo que na jurisprudência de Marcelo isso seria dissolução certa.

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Isto significa que o Governo sobreviverá a novembro e que — como todos temem consequências de moções de confiança ou censura — só voltará a existir uma situação que ponha em causa a estabilidade governativa a sério (porque episódios parlamentares do tipo SCUT ou IRS vão ser frequentes) em outubro de 2025, no mês em que o Governo Montenegro apresentar o Orçamento do Estado para 2026.

Ora, como o mandato do Presidente da República termina a 15 de março de 2026, a partir de setembro de 2025 a Assembleia da República não pode ser dissolvida. Mesmo que as autárquicas corram muito mal a um partido e haja consequências para o partido no poder, essa mudança de ciclo fica adiada. O calendário mostra assim que, o mais provável, é que não haja dissolução pelo menos até ao longínquo verão de 2026. E isso é consequência do resultado das Europeias. O Presidente da República — que tinha suores frios por ficar na história com o cognome de “O instável” caso tivesse de dissolver três vezes a Assembleia da República — já não terá de o fazer. A acontecer são contas do rosário do seu sucessor.

Mas há mais razões para Marcelo ser o grande vencedor das eleições do último domingo. Uma delas é o regresso do bipartidarismo (com PS e PSD a voltarem a ter dois terços dos votos) — algo que o Presidente da República sempre desejou. Outra é o enfraquecimento do Chega — e por consequência do caso das gémeas, de que André Ventura é o grande promotor. E há ainda uma petite victoire: os bons ventos de Costa para o Conselho Europeu, candidatura que tem em Marcelo um dos grandes mandatários (não só para puxar dos louros dessa eventual conquista nacional, como para que nas páginas da história política contemporânea os socialistas lhe perdoem a dissolução de novembro de 2023).

Como se tudo isto não bastasse, perante a grande fragmentação do Parlamento e toda a complexidade aritmética — que se mantém — o Presidente da República pode continuar a a carregar no semi-presidencialismo do regime, ora com recurso ao veto (que não pode ser contrariado por uma maioria esclarecida no Parlamento) ora como player ativo das várias movimentações entre partidos políticos, com particular influência naquele que está no Governo. Que, por fortuna, é do seu partido de origem.