Na passada semana, assistimos a uma greve de fome promovida pelo movimento “A Pão e Água”, que reivindica alargamento de horários para o sector da restauração e apoios para que o sector não sofra ainda mais do que está a sofrer. Tudo isto, numa altura em que Portugal é dos países europeus com menores restrições ao comércio e restauração no âmbito da luta contra a Covid-19. Desengane-se quem pensa que a cobertura mediática intensa se deve apenas ao facto do principal protagonista ser uma figura pública. A verdade é que o sector da restauração e alojamento tem um peso muito mais relevante em Portugal em comparação com o resto da Europa (dele depende, directamente, perto de 7% da população empregada, mais 40% do que a média da União Europeia), tendo sido um dos motores de crescimento económico dos últimos anos. É neste contexto que se torna importante analisar as causas e consequências desta estratégia.

Esta relevância reflecte-se no valor acrescentado dessas actividades para o país, ou seja, a riqueza gerada com a actividade, descontando os custos para obter essa riqueza. Ora vejamos: em 2018, estes sectores em conjunto com o comércio retalhista representaram cerca de 25% do valor acrescentado bruto em Portugal, contrastando com uma média europeia de cerca de 19%. Estes 6 pontos percentuais de diferença traduzem-se num acréscimo de mais 31% na importância destas actividades económicas em Portugal. Que conclusão podemos retirar destes dados?

Devemos questionar se estes sectores devem ser uma prioridade para concretizar um nível de desenvolvimento económico para um país que se quer rico e desenvolvido, fazendo uma análise da natureza do próprio sector:

  1. A produtividade é baixa. Em 2018, a produtividade média do trabalho em Portugal situava-se nos 37.595 euros por trabalhador. Para o mesmo indicador, os sectores da restauração e alojamento obtiveram o valor de 31.642 euros, menos cerca de 6 mil euros por trabalhador, por ano;
  2. Cozinhar uma refeição ou oferecer um serviço de alojamento não é hoje muito diferente do que era há 20 anos e não será também muito diferente nos próximos 20, não oferecendo, por isso, crescimento sustentado da produtividade. Desta forma, estes sectores andam à boleia do crescimento do rendimento do resto da economia e do poder de compra dos turistas;
  3. Essa incapacidade traduz-se numa remuneração média 21% mais baixa do que a média nacional e uma percentagem de trabalhadores a auferir o salário mínimo 45% mais alta do que a percentagem nacional;
  4. A maioria das empresas tem apenas um estabelecimento numa localização específica, sendo, por isso, difícil criar economias de escala e replicar know how, ou seja, todos os processos associados à actividade são repetidos do princípio ao fim um pouco por todo o país, sem que existam ganhos reais de aprendizagem e inovação;

Sectores com estas características dependem de uma economia robusta e capaz de gerar rendimento. É por isso que os restaurantes turísticos são tipicamente mais caros do que os restantes, porque atraem aqueles que têm mais poder de compra gerado noutras actividades (neste caso, estrangeiros dispostos a gastar mais num restaurante do que um português). É também por isso que a restauração e o alojamento em Portugal são tipicamente mais baratos do que nos países mais ricos onde o poder de compra é maior.

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É esta incapacidade de gerar rendimento que coloca Portugal com um salário médio anual 9 mil euros  inferior à média da União Europeia e 22 mil euros inferior à média dos cinco países com os salários mais altos da União Europeia.

Para o bem e para o mal, a crise em que nos encontramos constitui um alerta e uma oportunidade única para que a estrutura produtiva do país sofra uma remodelação. O diagnóstico está feito. Quando começamos a procurar a vacina?

Nota: todos os dados nacionais e europeus são relativos a 2018 e podem ser consultados no site da Pordata; todos os dados foram analisados em paridade do poder de compra, anulando, assim, os efeitos do valor da moeda em cada país.