Gosto muito de falar com os meus amigos estrangeiros.
Sobretudo, por conseguir olhar para o nosso país através de uma perspetiva diferente.
Uma das coisas que mais me comentam é a obsessão lusitana com o NIF.
Seja para ir tomar um café rápido, comprar aspirinas ou até apanhar um táxi. No final, a pergunta vem sempre: quer NIF na fatura?
Para os estrangeiros que nos visitam a pergunta é estranha e, nalgumas situações, confrangedora.
Afinal, é preciso estar treinado para recitar aqueles nove dígitos automaticamente ou responder com tom expedito “não”. Quem se atrever a vacilar…
É evidente que os Lusitanos estão a desenvolver uma relação pavloviana entre a aquisição de bens e serviços e os NIFs. Talvez seja boa ideia começar a colocar nos guias turísticos o que é o NIF e qual a resposta certa a dar à questão do NIF.
Contudo, infelizmente, penso que há mais ilações a tirar.
O NIF substituiu, pura e simplesmente, os nossos nomes e quaisquer outros números de identificação.
E se isso é verdade para quem quer mesmo colocar o nosso NIF na fatura do pastel de nata, este sentimento é ainda mais evidente quando contactamos um apoio telefónico ou qualquer outro serviço que imponha a nossa identificação.
O nome próprio serve, quando muito, para que o nosso interlocutor tente criar uma relação empática connosco enquanto nos consome 40 minutos de vida ao telefone.
Hoje em dia, a nossa identificação é apenas uma: o NIF. O remanescente é decoração.
Agora que já consegui chamar a atenção do contribuinte, perdão, leitor, para a essencialidade do seu NIF, coloco uma questão: sabia que a Constituição da República Portuguesa proíbe expressamente a atribuição do número nacional único do cidadão?
E nem sequer o faz de forma elaborada (o famoso juridiquês). Fá-lo de forma muito clara: “É proibida a atribuição de um número nacional único aos cidadãos.” – número 5 do artigo 35.º da Constituição da República Portuguesa.
Esperando que seja evidente para todos o motivo para esta proibição, abstenho-me de explicar o motivo que leva o legislador constituinte a proibir a identificação dos cidadãos por um único número.
Pese embora uma proibição tão clara, nos últimos anos, a obrigação de mencionar o NIF tem-se tornado tão essencial que um recém-nascido consegue obter mais depressa um NIF do que o seu cartão de cidadão.
De uma perspetiva puramente economicista, é compreensível que a Autoridade Tributária pretenda ter acesso a todos os meios para escrutinar os contribuintes. E nesse esforço, atribuir um número a cada contribuinte é essencial para assegurar o funcionamento do big brother orwelliano. Já pensou que o rasto de faturas de cada contribuinte permite saber (quase) tudo? Talvez até a probabilidade de ter colesterol com base nos restaurantes que frequenta (entidade emissora da fatura) e comida escolhida (descrito, item a item, na fatura).
Contudo, o que é no mínimo estranho, é que as restantes entidades – com o Parlamento à cabeça– não se tenham apercebido desta situação.
Seria assim tão pouco previsível que isto viesse a suceder, sobretudo depois de se ter começado a sortear automóveis entre aqueles que recolhiam compulsivamente faturas? Ou depois de fazer aprovar uma dedução à coleta de IRS correspondente a uma percentagem do IVA das faturas recolhidas?
Claro que não. Era só uma questão de tempo.
Assim, sugiro que se tome uma decisão face a esta incongruência.
Ou se revoga a proibição constitucional do número nacional único (leia-se NIF), reconhecendo que o escrutínio fiscal se sobrepõe a tudo o mais, ou se começam a tomar passos para terminar com esta situação. Aqui fica a primeira sugestão para terminar com este big brother: acabar com esta dedução absurda à coleta de IRS que promove a recolha de faturas. Em vez deste benefício, atribuía-se uma dedução à coleta automática de igual valor.
Por mim, voto em terminar com o big brother. E o leitor?