A escalada de uma montanha é, em muitos aspetos, uma metáfora para a luta constante e resiliente da natureza para se adaptar. Em cada cem metros de ascensão, a temperatura cai, criando nichos únicos que abrigam flora e fauna específicas, moldadas pelo ar rarefeito e o frio extremo. Mas o avanço implacável das alterações climáticas ameaça nivelar, literalmente, as montanhas ao ponto de estas perderem a sua singularidade, transformando-as em simples imitações das terras baixas. Assim como o corpo humano se adapta à mudança de altitude, as espécies e os ecossistemas de montanha ajustaram-se a esses microclimas, mas, para elas, essa subida salvadora já não tem para onde prosseguir.
Essa transformação é evidente nos glaciares dos trópicos e nas neves dos picos de montanhas em todo o mundo, que estão em vias de extinção. A ciência é clara: até as neves do Quilimanjaro e os glaciares da Nova Guiné não resistirão muito mais de duas décadas aos níveis crescentes de dióxido de carbono (CO2). Para os habitats de montanha, situados entre florestas densas e picos gelados, cada grau adicional na temperatura é um golpe fatal, forçando espécies que dependem do frio a deslocar-se cada vez mais para cima.
Esse movimento não é novo; a última vez que o planeta experimentou um aquecimento rápido, no final da última era glaciar, causou uma migração massiva da fauna e flora para altitudes mais elevadas. Mas, enquanto antes a adaptação foi um processo relativamente lento e geracional, o que permitiu às espécies um maior período de adaptação, hoje, as alterações climáticas forçam esse processo a uma velocidade sem precedentes, o que leva à incapacidade de adaptação dessas espécies e por sua vez à sua extinção.
O estudo detalhado dos habitats montanhosos, como o realizado por Steve Williams nas florestas húmidas do Nordeste de Queensland, ilustra as consequências devastadoras para as espécies endémicas, que evoluíram ao longo de milhões de anos para sobreviver em condições muito específicas. Os opossums-de-cauda-anelada verde, por exemplo, têm a sua sobrevivência literalmente ligada às temperaturas amenas das regiões montanhosas, onde algumas horas a temperaturas superiores a 30°C podem ser letais. E não são apenas os opossums; aves, cangurus-arborícolas e rãs endémicas dependem da estabilidade climática dessas florestas montanhosas. À medida que as temperaturas sobem, as planícies aquecem e essas espécies encontram-se sem refúgio adequado, empurradas para uma extinção anunciada.
Enquanto sociedade, ainda hesitamos em reconhecer a dimensão da perda que isso representa. Habitats alpinos, presentes em apenas 3% da superfície terrestre, são, paradoxalmente, o lar de uma biodiversidade avassaladora com mais de dez mil espécies de plantas e inúmeros insetos e animais de grande porte. O ritmo desta deslocação forçada das espécies, que nas últimas décadas tem sido em média de 6,1 metros por década, parece insignificante à primeira vista, mas torna-se alarmante quando compreendemos que este movimento se deve ao aquecimento global, que empurra essas espécies para os últimos bastiões de frio nas montanhas.
Em todos os continentes, a biodiversidade montanhosa não só se encontra ameaçada pelo aumento das temperaturas, como também pela competição. Com a alteração das fronteiras climáticas, novas espécies colonizam os antigos habitats montanhosos, e as espécies nativas, já sob pressão, enfrentam uma concorrência impossível de enfrentar. Cada nicho perdido é uma peça insubstituível na reserva da biodiversidade global. Mas o que estamos a perder não é apenas uma coleção de espécies; são ecossistemas completos, adaptados, únicos, que contêm um património genético, cultural e ecológico, que nunca poderá ser recuperado.
Como sociedade, enfrentamos um dilema urgente: aceitar passivamente o desaparecimento de habitats de montanha e das espécies que dependem deles, ou agir de forma decisiva para mitigar o impacto das alterações climáticas. Proteger essas montanhas requer mais do que preservar áreas específicas ou apoiar espécies em perigo. Requer uma estratégia global de mitigação de emissões e um compromisso inabalável com a conservação.
Em última análise, o nivelamento das montanhas pela crise climática é um apelo urgente para preservarmos não apenas o que existe, mas o que permite que a vida continue a evoluir e a diversificar-se. Respeitar e preservar esses santuários de biodiversidade é um dever que temos para com as futuras gerações, pois ao perdermos as montanhas, não estamos apenas a destruir uma paisagem; estamos a nivelar as nossas próprias possibilidades de um futuro equilibrado e resiliente.