Todos os dias somos expostos a uma quantidade exorbitante de números, estatísticas, dados. E todos os dias esses mesmos dados são partilhados e repartilhados sem grande preocupação relativamente à capacidade que o público alvo tem em perceber o que está em causa. Isto porque o principal foco é demonstrar mudança, quer esta seja para melhor ou para pior, dependendo da vontade de quem partilha esses dados. Sendo assim, a partilha de informação por parte de entidades oficiais (por exemplo o Governo) ou por meios de comunicação social peca, em muitos casos por aspectos relacionados com a escala e a perceção.

Comecemos pela escala. Quando o governo reúne a imprensa em torno de um palanque bonito para anunciar um pacote de X milhões de euros para determinado setor, ou diz que a economia cresceu Y% do PIB ou ainda que a dívida pública corresponde a 114,7% do PIB (dados do BdP para 2022), será que isto se materializa imediatamente na mente de todos os interessados, a maior parte deles a ganhar o salário mínimo, ou seja, 0.00076 milhões de euros? Vamos por partes.

De acordo com dados do Banco de Portugal, o Produto Interno Bruto (PIB) português ficou em 239253.315 milhões de euros. Grosso modo, é a medida da riqueza que o país produziu no ano passado e consiste num número que transcende a realidade do comum mortal mas que é usado como escala para outros parâmetros que regem direta ou indiretamente as nossas vidas. No caso específico da dívida pública dizer que a dívida se situa em 114.7% do PIB nada mais quer dizer, em bom português, que, para o Estado saldar as suas dívidas, o país teria que trabalhar um ano e 51 dias única e exclusivamente para esse fim, ou seja, sem espaço para qualquer tipo de despesa, inclusive salários. Noutras palavras: devemos mais do que produzimos num ano.

Ora daqui depreende-se que faltam na gíria popular bons exemplos para dimensionar valores tão brutais como os que apresentei. Faltam exemplos como já temos para grandes áreas, que commumente são medidas em campos de futebol. Mas ainda há esperança para o cenário económico-financeiro, uma vez que começamos lentamente a introduzir unidades de medida como “isto vale 3 TAPs” ou “isto dava para resgatar o BES e ainda sobrava dinheiro para raspadinhas”. O que se pede é sensibilidade e noção para partilhar enormidades com o simples “conta-tostões” do supermercado.

Nisto entra a perceção. Anteriormente introduzi o salário mínimo de uma maneira bastante soberba: 0.00076 milhões de euros em vez de 760 euros. Ambas estão corretas e representam o mesmo número. No entanto, uma, embora menos inteligente que a outra, salta imediatamente à vista de um leitor desatento. Ora um número, uma quantia, um dado são tudo entidades fixas, verídicas (partindo da premissa de que a fonte é fidedigna). Contudo, a forma e os métodos utilizados para difundir esta informação são talvez ainda mais importantes que a variável em si. É comum vermos, em segmentos de comentário ou em conferências de imprensa, gráficos: ora de barras, ora circulares, com cores e feitios distintos. Mas a maioria deles tem uma característica em comum: pretendem forçar uma interpretação. Uma escala que favorece uma pequena variação percentual, fraca identificação das variáveis em causa para obtenção da representação são apenas exemplos das estratégias para distrair o “consumidor” do estudo e passar antes uma mensagem política. O mesmo acontece agora com a campanha do IVA zero em bens do cabaz de bens essenciais. Grande parte desses bens tinham uma taxa de 6% de IVA, ou seja, um bem valorizado em 1 euro (fora imposto) custaria, antes desta campanha, 1,06 euros. Com a campanha, os célebres 6% iriam materializar-se nuns gloriosos 6 cêntimos de poupança. É apenas mais um exemplo de bom marketing.

Termino a reforçar que é necessário que entidades responsáveis por partilhar dados estatísticos, variações de preços, custo de vida, salários, etc., sejam também responsáveis por utilizar plataformas claras e objetivas. É urgente deixar a arte da política fora da arte numérica. Uma ludibria, a outra instrui.

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