A frase sinistra e desmiolada segundo a qual quem não se lembra da história está condenado a repeti-la é repetida como se encerrasse uma grande verdade; mas essa impressão de verdade é apenas a impressão que temos de que as frases que não se percebem devem ser mais verdadeiras que as frases que se percebem.   Não parece haver, nem à primeira vista nem à segunda, qualquer razão para uma ligação entre repetir a história, o que quer que isso seja, e não nos lembrarmos dela.

Várias pessoas repararam que quando se pretende repetir um acontecimento passado ninguém leva a sério esse acontecimento; o sobrinho de um imperador temível mete tanto medo como o sobrinho do Pato Donald.  É uma versão em pequeno, em exagerado, ou em ladino do passado.  Onde se percebem roupagens anteriores e onde se percebe que se tentou reconstruir um passado só se nota um cortejo de Carnaval.  Nesses cortejos históricos há sempre alguém disfarçado de outra pessoa para insinuar que é de certo modo como ela.

Nas comemorações existe por isso um ar de Carnaval e de tropa fandanga.   Se o espírito é de comemoração, chamar-lhe Campeonato do Mundo, Triunfo de Napoleão ou Revolução Russa vem a dar na mesma coisa.   O que se produz é uma réplica do passado de que nos queremos lembrar, rodeada por um presente inadequado.   Os festejos públicos de comemoração foram inventados para lisonjear a nossa tendência para a melancolia, e para nos desculpar por não fazer nada; e com a boa razão de que já não há nada a fazer, porque o acontecimento comemorado já aconteceu.   Nenhuma operação logística conseguirá recriar o esplendor da coroação do Pato Donald original.

Quando a nossa relação com o passado não é comemorativa pode parecer que a solução é simplesmente esquecer o passado.  Esquecer um acontecimento passado é porém tão difícil como lembrá-lo: ao contrário de perdoar, ou fazer um bolo, não é possível decidir esquecer uma coisa; mas também não é possível decidir que nos conseguiremos lembrar dela para sempre.   Sem grandes resultados, o mundo está cheio de pessoas que não se lembram onde puseram os óculos, e de pessoas que prometem que nunca mais se vão esquecer de se lembrar do sítio onde os deixaram.

Não comemorar o passado e não tentar esquecê-lo é muito melhor homenagem; é a homenagem que fazemos aos acontecimentos que se tornaram a nossa maneira comum de fazer as coisas.  O teste para a perdurabilidade de um acontecimento, ou de uma pessoa, não é a intensidade com que tentamos lembrar-nos deles, ou o zelo com que anunciamos em público essas lembranças.  É pelo contrário não conseguirmos separá-lo da maneira como olhamos para as coisas; e, pelo menos a esse respeito, é conseguirmos perceber que o passado costuma ser o disfarce que escolhemos para aquilo que presentemente nos importa mais.

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