Não, nunca tinha ido a Moscovo. Nada contra. Nenhuns preconceitos. Mas a viagem é longa, cara, e ainda não me tinha calhado. Fui agora, a convite, para falar numa conferência internacional sobre o Ensino. Pediram-me para falar sobretudo sobre a preparação dos estudantes antes da entrada na universidade. Estão impressionados com os resultados que os alunos portugueses obtiveram nas últimas avaliações internacionais, de 2015. Estão eles, tal como muitos outros peritos, de muitos países. Pelos mesmos motivos fui ainda este ano a conferências em São Paulo, Londres, Rio de Janeiro, Cidade do México, Varsóvia e noutros locais.
Tenho orgulho nisso, como julgo ser natural que todos tenhamos. Portugal partiu de uma situação muito fraca, nesta transição de século, e passou a estar no radar da educação mundial. Em 1995, quando participámos no estudo TIMSS em matemática do 4.º ano, apenas dois países ficaram pior colocados que nós: a Islândia e o Irão. Na última edição deste estudo, em 2015, os nossos estudantes passaram à frente de 36 países, incluindo a Finlândia! Como é possível ter passado à frente do país modelo da educação europeia?
Progressos semelhantes foram conseguidos no estudo PISA, da OCDE. Em 2000, quando se iniciou esse estudo, ficámos muito atrás da média dos países participantes. Em 2015, ultrapassamos a média da OCDE em todas as áreas, e obtivemos a especial honra de termos sido um dos únicos dois países que conseguiram, simultaneamente e significativamente, aumentar o número dos estudantes no topo e reduzir o número dos estudantes nos percentis inferiores. Quer dizer, ao contrário dos outros países em que as melhorias são provocadas pela subida dos melhores à custa dos menos bons, ou pela subida dos menos bons, à custa dos melhores, Portugal conseguiu que melhorassem todos.
Durante a minha estadia, Portugal marcou ainda outros golos. Literalmente! O centro da cidade estava invadido por adeptos do FCP que, como eu, aproveitaram alguns momentos livres para visitar as atrações turísticas mais canónicas: o Kremlin, a Praça Vermelha e alguns museus.
Fiquei muito impressionado com as mostras que visitei. Expunham uma extraordinária riqueza artística, que é, em grande parte, desconhecida no nosso Ocidente. Na Galeria Tretyakov, por exemplo, onde se podem ver alguns, muito poucos, quadros célebres, tais como os retratos mais famosos de Mussorgsky e Gogol, a larga maioria da exposição é constituída por obras de artistas muito pouco conhecidos, mas de extraordinária qualidade.
Detive-me num quadro intitulado Cálculo Mental, de Bogdanov-Belsky (o nome diz-lhe alguma coisa, leitor? a mim não dizia nada…). É um retrato social e psicológico extraordinário. Mostra uma escola dos fins do século XIX em que os alunos se movimentam em liberdade, tentando resolver mentalmente um problema difícil de aritmética — difícil porque obriga a reter de cabeça vários resultados parciais.
As faces dos rapazes são particularmente expressivas, e as atitudes também. Alguns afastam-se para pensar melhor. Outros concentram-se no enunciado, pensando enquanto olham para os números. Outros ainda trocam olhares. Um deles segreda ao professor. Segreda a solução que obteve?
Para quem se interessa pelas polémicas de educação, há ainda outros factos curiosos. Os alunos não cooperam, pensam individualmente, e movimentam-se de forma livre pela sala, que não revela mesas alinhadas, mas sim uma desorganização que alguns dizem que não existia no passado, antes se deveria construir no futuro.
Seria afinal desorganizada, a escola do passado? Em certo sentido sim, pois a escola que hoje conhecemos é uma invenção da modernidade. Uma invenção aliás anterior aos finais do século XIX, quando foi feita a pintura. Uma coisa é certa: pelo menos para certas situações de movimentação dos alunos ninguém está hoje a inventar a pólvora. E as soluções dependem das situações! Hoje, tal como ontem, é tão ridículo dizer que os alunos devem estar sempre sentados, quietos e alinhados em filas na sala de aula, como é absurdo dizer que devem estar sempre sentados em círculo, ou sempre a movimentar-se livremente.
Mas voltemos ao problema da pintura (a soma dos quadrados de 10, 11, 12, 13 e 14 a dividir por 365). O leitor consegue resolvê-lo de cabeça? Vai aqui uma pista: o resultado é surpreendentemente simples.