As medidas previstas pelo Governo em relação ao Alojamento Local são desprovidas de qualquer racionalidade económica ou de qualquer outra natureza minimamente inteligível. São, sim, um ataque ideológico a um setor de atividade que escreveu uma história de sucesso.
O surgimento do Alojamento Local está intrinsecamente relacionado com a explosão do turismo em Portugal, que tem suportado o nosso ténue crescimento económico. Trata-se de um sector económico que vale hoje cerca de 12% do PIB e que constitui parte substancial das nossas exportações. O Alojamento Local é indissociável da revitalização dos centros históricos, desiderato que décadas de “políticas públicas” não lograram alcançar. O Alojamento Local foi uma forma de milhares de portugueses, muitos deles desempregados pela crise no período da troika, com o seu empreendedorismo, obterem fórmulas alternativas de rendimento, sem quaisquer apoios públicos; e que arrastaram consigo toda uma pequena economia de comércio local e prestadores de serviços.
Então porquê acabar com o Alojamento Local, ou – pelo menos – limitá-lo de uma forma significativa? Vamos aos principais argumentos utilizados.
Um deles é o de que está a retirar do mercado casas onde os portugueses poderiam habitar. Ora, trata-se de uma falácia por várias razões. O Alojamento Local não atrai turistas. O que atrai turistas são as nossas cidades, os nossos monumentos, a nossa história, as praias, a gastronomia, o turismo da natureza, o golfe, a vida noturna e muitos mais fatores, incluindo a hospitalidade e a generosidade das nossas gentes. O Alojamento Local é apenas uma alternativa de oferta turística, por sinal de agrado de muitos turistas. Assim, assumindo-se que o nosso governo não quer diminuir o afluxo de turistas (?), uma diminuição da oferta em Alojamento Local será naturalmente substituída por outro tipo de oferta, nomeadamente pelos hotéis, hostels, camas clandestinas, etc. Assim, facilmente se depreende que uma eventual redução da oferta do Alojamento Local não irá impactar de forma relevante na oferta de habitação, tanto mais que, nesta matéria, os problemas são outros.
Outro argumento utilizado para as novas medidas é o de que o Alojamento Local leva à gentrificação e descaracterização dos centros históricos das cidades. Ora, também este argumento é falacioso. Primeiro, porque, ao abrigo da legislação vigente, os municípios já têm a possibilidade de definir zonas de contenção de expansão do Alojamento Local, prorrogativa que estão efetivamente a utilizar. Segundo, porque a ser esse o problema, então, se necessário, definam-se novas regras para a meia dúzia de freguesias do país que de facto poderão já ter um excesso de Alojamento Local; e não se ataque o setor como um todo, abrangendo zonas do país, como o Algarve, em que o fenómeno do Alojamento Local não foi mais do que uma forma eficaz de legalização e profissionalização de milhares de camas clandestinas. Dirão alguns que em algumas freguesias o Alojamento Local já tem um peso excessivo, pelo que se justifica uma reversão do número de alojamentos. Mas, assumindo-se que possamos de facto estar perante esse problema, não faltariam soluções mais inteligentes e não coercivas, no âmbito da atuação descentralizada dos municípios.
Ou seja, não há qualquer racionalidade para as medidas que o governo anunciou, que na prática vão matar uma atividade económica que só é sustentável com a necessária previsibilidade jurídica e fiscal (quem irá fazer investimentos num alojamento sabendo que a sua licença poderá ser revertida daqui a alguns anos?).
Não havendo racionalidade, a única explicação é um ataque ideológico à propriedade e iniciativa privadas. E isso é abominável numa sociedade que se quer próspera e que aspire a ter padrões de vida mais elevados.