As eleições do passado dia 2 de outubro traçaram um cenário peculiar e inesperado no contexto político e partidário brasileiro. Se a segunda volta era, de alguma forma, esperada, a resiliência do Bolsonarismo demonstrou uma face transversal e menos personalista nas eleições para o Senado e para a Câmara dos Representantes, e a Direita apresentou uma dinâmica de vitória que irá pautar a agenda legislativa nos próximos 4 anos e que, em caso de uma eventual vitória de Lula na segunda volta, irá exigir um apelo à governabilidade do passado de uma forma muito mais sistemática. Entre dois populistas, as eleições brasileiras foram, como todas, com derrotados e vencedores, com um pano de fundo interessante – a reduzida tensão política em termos de confrontos.
O Brasil atravessa, hoje, um dos períodos políticos mais conturbados da sua recente democratização. A vitória de Bolsonaro, em 2018, representou um corte com uma governação de Lula e Dilma que culminou num processo de impeachment desta e que foi seguida por um período, não legitimado do ponto de vista democrático e de oblíquo apoio popular, de Michel Temer e do PMDB, marcando uma dinâmica de rutura com a «velha Política» que governou o «quase-continente» durante todo este período. Após 4 anos de significativas polémicas e da acentuação de uma polarização, reforçada por uma política interna mobilizada por apenas dois vetores, desde a descondenação de Lula por parte do STF e por uma governação combativa do (ainda) atual Presidente, a longa estrada trilhada em direção ao momento eleitoral de 2022 avizinhou-se uma das menos institucionais e mais agressivas do período da democratização. As eleições brasileiras foram claras nesse sentido – e declararam vencedores e vencidos.
Os vencedores – o bolsonarismo em contexto legislativo e estadual, a Direita, de uma forma mais geral (e moderada) e a Lava-Jato
Os vencedores da noite eleitoral foram os candidatos bolsonaristas em contexto legislativo e estadual, com a eleição de 99 deputados pelo Partido Liberal no contexto da Câmara dos Representantes e com desempenhos acima das expectativas por parte de aliados cruciais do atual Presidente – como a vitória de Onyx Lorenzoni no contexto das eleições para o cargo de Governador no Rio Grande do Sul, a reeleição de Cláudio Castro para o governo de um dos Estados mais relevantes do País e a vitória de Tarcísio de Freitas no contexto paulista. Mesmo apesar do compasso de espera anexado à necessidade de segunda volta para alguns aliados cruciais do Presidente Bolsonaro, a expressão das suas votações em contexto de primeira volta denota um enraizamento maior deste fenómeno no contexto estadual quando comparado com o PT e demonstram um alinhamento com a agenda política levada a cabo pelo Presidente durante o último mandato.
Assim, o controlo legislativo de ambas as Câmaras por parte da Direita e, concretamente, com uma grande influência de candidatos assumidamente conotados com o candidato paulista pautam a manutenção de uma agenda legislativa que lhe é favorável, marcando uma composição institucional muito aguerrida no caso da eleição do ex-Presidente Lula em segunda volta e marcando a continuação do Bolsonarismo na política brasileira, independentemente do resultado do próximo dia 30 de outubro, com uma projeção para os próximos 4 a 8 anos que poderá, num contexto futuro, mobilizar um dinamismo de reação à maquina institucional do Partido dos Trabalhadores e da restante esquerda brasileira e manter uma competitividade, conforme afirmava Mudde, ainda mais acentuada nesse período do que no âmbito político atual, especialmente face a um possível desgaste das principais figuras de esquerda, que se alinham, na contemporaneidade, excessivamente em torno de Lula, como Haddad.
Numa última nota, a eleição de Sérgio Moro para o Senado pelo Paraná, com a derrota do candidato do PL Paulo Martins, e a eleição, em primeiro lugar, de Deltan Dallagnol, em superioridade em relação a nomes sonantes como Gleisi Hoffmann afirmam a resiliência e a integridade, aos olhos dos paranaenses (e do restante Brasil), do processo Lava-Jato e do combate à corrupção em grande escala no Brasil, contando, agora, com dois quadros de peso no poder legislativo com uma agenda extremamente válida nesse sentido e que poderá projetar uma terceira via no curto-prazo, em função do desempenho dos dois parlamentares em ambas as Câmaras e em função da manutenção do seu maior (ou menor) ímpeto jurídico durante os 8 (ou 4) anos dos seus mandatos.
Os derrotados – o Partido da Social Democracia Brasileira e as sondagens
O principal derrotado da noite terá de ser, certamente, o PSDB, que cai como vítima da crescente polarização e da traição bruteana de um dos seus quadros mais importantes – agora vice da candidatura do ex-presidente de Pernambuco, Geraldo Alckimin – e que, por consequência, perde o seu bastião mais importante desde 1994 – o Governo de São Paulo – com um pobre terceiro lugar de Rodrigo Garcia. A somar a este resultado desastroso, os tucanos conseguem uma segunda volta menos confortável do que o esperado no Rio Grande do Sul, com Eduardo Leite a apresentar um resultado abaixo do esperado para um incumbente, e não elegem qualquer senador, o que confirma uma perda chocante de prevalência no poder legislativo em função da pequena bancada de 13 deputados na Câmara dos Deputados, colocando em causa o futuro do Partido e, no fundo, mostrando que a sigla se apresenta cada vez menos adaptada, como terceira via, a um cenário profundamente bipolar na Política Brasileira, sem a característica centrista distintiva dos peesedebistas.
Outrossim, as sondagens apresentaram novo falhanço chocante – e com possível influência nos resultados da primeira volta, em Estados de dimensão significativa, como São Paulo, e a nível nacional. Se as razões para este falhanço são algo incertas, apontando-se um eleitorado profundamente descrente nestas e possibilitando-se a concretização de uma profecia auto-cumprida como possibilidade mais premente, as entidades reguladoras deste tipo de procedimentos, em linha com exemplos norte-americanos e europeus, deverão repensar o seu papel e o seu modo de atuação, reforçando-se metodologicamente ou preservando-se, à semelhança de Itália, com um fim mais atempado da publicação de sondagens anteriores a um momento eleitoral concreto. O peso destas na sociedade acarreta uma responsabilidade considerável no cenário político democrático, pelo que urge uma reorientação que leve esse papel em linha de conta e que, por conseguinte, promova uma mudança no seu modo de operação.
É evidente que o momento eleitoral brasileiro se apresentou como um momento de suma importância, com uma concretização, em termos de resultados, que marca uma liderança do ex-presidente Lula para a segunda volta e que, portanto, o transladam como favorito neste contexto eleitoral específico. Ainda assim, a aproximação do Presidente Bolsonaro, face aos resultados das sondagens, do pernambucano e o sweep materializado em contexto legislativo mantém tudo em aberto para uma segunda volta que acarreta, naturalmente, um risco profundamente acrescido em termos de violência e acentuação da polarização nas ruas e na política brasileira, de uma forma geral. Como observadores independentes, só podemos esperar que vença a democracia e o exercício pacífico do direito ao voto e do direito à escolha dos representantes políticos de futuro num país tão relevante como o Brasil. E este voto de esperança não está necessariamente dependente de quem ganha.