A frase é do boneco da então deputada do PCP no programa Contrainformação, da RTP, há muito extinto. O contexto seria o da erosão da presença política do PCP numa região onde o partido dominava. Já nos anos 90 e no início dos 2000 a vox populi, refletida nesse excelente programa, sugeria que o PCP estava a perder terreno outrora sólido e o boneco da deputada repetia sistematicamente esta frase ao boneco do então secretário-geral do partido.
Curiosamente, o partido dá agora sinais estranhos de ter desistido desta ambição de recuperar presença no Alentejo. De certa forma, o partido parece ter-se resignado a outras funções, aproximando-se ao poder da geringonça ou então está manietado na sua intervenção tradicional.
O exemplo mais evidente desta postura são as próximas eleições para as presidências das CCDR (Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional), a ter lugar dentro de cerca de um mês. Antes de explicar a minha estranheza pela postura ausente do PCP, deixem-me explicar sumariamente do que se tratam estas eleições.
O programa do PS nas últimas eleições legislativas prometia passos concretos no sentido da regionalização, nomeadamente a possibilidade de eleição das presidências das CCDR das cinco regiões continentais. Até agora, as presidências eram nomeadas pelo Governo e a interpretação generalizada da promessa eleitoral do PS era que essa eleição seria agora por voto popular e universal. Só que o PS resolveu antes dar um passo intermédio, optando por um modelo algo insólito.
Vou simplificar um pouco, mas genericamente a eleição das presidências vai ser secreta e feita por super-eleitores regionais. Estes serão os membros de todas as vereações municipais (presidente da câmara e todos os vereadores), deputados de todas as assembleias municipais e todos presidentes de junta de freguesias que constituam cada região. Trata-se de um colégio eleitoral que representa o voto popular de uma forma estranha, porque decorre de uma tripla escolha de cada eleitor nas autárquicas (cada um de nós vota 3 vezes nas autárquicas em eleições separadas para cada um destes órgãos de poder local). Acresce que é um colégio eleitoral com algum reflexo de proporcionalidade populacional, mas uma proporcionalidade muito distorcida. A “democraticidade” deste colégio eleitoral é algo complexa e representa um progresso estranho no sentido de os presidentes das CCDR representarem politicamente as populações dessas mesmas regiões. É um passo no sentido da regionalização, mas é um passo tímido e estranho. Notoriamente, parece um passo a pedir outros subsequentes, sejam estes outros passos para a frente ou para trás. Este colégio escolherá, de entre candidatos apresentados pelos partidos ou por independentes, quem serão os componentes das presidências das CCDR. (Há alguma simplificação aqui, porque nem todos os vogais das presidências são escolhidos de igual forma, mas no geral, os presidentes serão escolhidos assim.)
Acontece que este passo para a eleição das presidências, não foi acompanhado por um reforço de competências das CCDR e das suas presidências, que permitissem incutir um caráter mais político e menos técnico a estes lugares. Ora esta omissão conduziu a que o perfil ideal para estes lugares continuasse a ser primordialmente técnico e não político, o que fez com que, quase inevitavelmente, a escolha dos candidatos fosse feita com este pendor técnico. Resultado: se o processo eleitoral indicava um passo em frente na regionalização, a escolha dos candidatos reflete de certa forma um passo para o modelo anterior, porque estas escolhas acabam por ser feitas (aliás com alguma naturalidade, repito pelo teor técnico e não político dos cargos) entre os líderes de PS e PSD.
Ora acontece que nada impede outros candidatos de aparecerem e nada impede, por exemplo, o PCP de apresentar os seus próprios candidatos, por hipótese, no Alentejo. Dir-me-ão que isso é inútil, porque um candidato do PCP não teria a menor chance de ser eleito. Verdade. Mas por essa lógica, João Ferreira não avançaria para a corrida a Belém. A tradição do PCP é precisamente a de estar presente no debate político sempre que o assunto é de interesse para o partido. Ao escusar-se a aparecer nesta contenda das CCDR, o PCP acaba a confirmar um conjunto de posições:
- A primeira é aquela que o Partido argumenta: o PCP não aprovou esta solução de eleição das presidências das CCDR e coloca-se à margem deste processo, porque aprova apenas a regionalização.
- A segunda é que o PCP não reconhece o debate sobre as CCDR como um debate político em que ache oportuno participar. Ora, essa postura é nova no PCP, que nunca se escusou a qualquer debate, conseguindo politizar qualquer questão ou luta.
- A terceira começa a ser mais séria e preocupante e é que o partido nada tem para oferecer neste debate, ou por falta de ideias próprias, ou por achar que as ideias apresentadas pelos candidatos do PS e do PSD são suficientemente boas.
É nesta terceira posição que leio a desistência do PCP ao Alentejo. Será crível que o PCP já não tem um modelo de ideias autónomas para a “sua” região, a apresentar em alternativa ao que sairá da votação? A fazer fé numa notícia recente do Jornal Expresso, acresce que, por acaso, a eleição no Alentejo corre o risco de ser a única das cinco verdadeiramente contestada, com o aparecimento de uma candidatura independente dissidente. Na única das eleições que terá algum pendor político, logo no Alentejo, o PCP vai estar ausente, ou vai “ageringonçar-se” e mandar os seus autarcas votar nos escolhidos por Costa e Rio?
Estas serão as primeiras eleições regionais e não estão a merecer qualquer atenção dos media nacionais. Serão sumamente estranhas e, na minha opinião, serão a única vez que serão feitas desta forma. Estou convencido que, ou o processo regressa a nomeações políticas, ou se avança mesmo para votações regionais universais. O processo dificilmente se repetirá assim, até porque já nas autárquicas do próximo ano se assistirá à entrada de novas forças políticas nos elencos autárquicos, a começar pelo Chega. Nessa altura, até este modelo meio técnico de eleição das presidências será inevitavelmente politizado.
Sinceramente, esperava, desta vez, que este papel político, pelo menos no Alentejo, tivesse sido feito pelo PCP. Parece, Cassete Carvalhas, que assim o Alentejo já nunca voltará a ser vosso…