“Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades” já afirmava o nosso grande poeta e referência histórica Luís Vaz de Camões, que tão sabiamente fez a leitura da essência humana numa época tão distante. É percetível a olho nu, sem necessidade de recorrer a qualquer dado estatístico ou estudo científico mais recente, as profundas mudanças que se têm vindo a operar ao nível das pessoas, do mercado de trabalho e, em geral, na sociedade moderna nos últimos anos.

A força das novas tecnologias impõe transformações incríveis e expectáveis, mas que exigem um esforço reflexivo no sentido de compreender qual é o caminho que a humanidade “já” está a percorrer e quais os custos e desafios da Inteligência Artificial (IA). Emergem diariamente múltiplos algoritmos que proliferam como cogumelos, e que por um lado exigem o esforço ético de compreender o impacto para as pessoas e, por outro lado compreender como fazer bom uso da informação que emerge destas interações! Mas, não querendo ser o “velho do Restelo”, quero propor uma nova teoria no sentido de alavancar o uso ético da inteligência artificial e capitalizar o conjunto de ganhos para a humanidade em geral e para os trabalhadores e para as empresas em particular. Vamos lá então!

Assistimos diariamente à imersão de múltiplos fenómenos sociais à escala global, que são preocupantes porque manifestam o nível exacerbado de exaustão física, emocional e cognitiva das Pessoas. Os fenómenos mais famosos nas redes sociais e, que fizeram ou fazem noticia são:

1) o Quiet Quitting,

2) a Great Resignation,

3) o Slashing,

4) a Síndrome de Segunda-feira,

5) a Síndrome de Burnout e

6) o Stress e a Ansiedade.

Todos estes fenómenos resultam da “ditadura” da produtividade, profundamente inculcada na nossa cultura moderna e no “chip” das gerações mais velhas. É “normal” e “até recomendável”, que se estimule a cultura “da necessidade” de parecermos e/ou nos sentirmos “busy” (ocupados) ou “perform busy” (parecemos ocupados), porque a heurística da atividade visível tornou-se a forma dominante de pensar sobre a produtividade no trabalho.

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Podemos sistematizar o estilo de vida moderna como sendo promotor de: 1) uma cultura da agitação, 2) de períodos de trabalho extensos e exigentes, 3) da dependência da tecnologia, 4) de níveis de stress elevados, 5) de ansiedade, 6) do Síndrome de Burnout, 7) de adições de natureza variada, 8) da doença mental e por último, 9) do suicídio em situações extremas.

O mind set atual ainda é infelizmente, para nós trabalhadores, caracterizado da seguinte forma: 1) “eu tenho de estar sempre ligado ao meu e-mail”, 2) “eu tenho de responder aos múltiplos WhatsApps dos grupos do trabalho”, 3) “a trabalhar aos fins-de- semana porque alguém pode precisar de alguma coisa na segunda-feira”, 4) “eu tenho de estar em todas as reuniões para estar atualizado sobre todos os temas” e 5) pelos múltiplos “eu tenho ….”! Sim, eu tenho é de mudar o meu comportamento, porque vou ficar doente!

É verdade que por vezes temos de fazer pequenos “sprints”, mas não devemos entender como sendo normal fazê-lo de forma sistemática e sacrificar a nossa saúde mental e o nosso equilíbrio entre a vida pessoal e de trabalho. A vida de trabalho não deve ser entendida como uma maratona ao longo do ano inteiro porque se calhar não é isso que nos pedem (ou se é, devemos estabelecer limites). Entenda-se que o status quo atual privilegia um conjunto de comportamentos negativos, ou seja, um conjunto de “bons” hábitos de um trabalhador: 1) a obsessão com a eficiência, 2) a rapidez na execução das tarefas, 3) os resultados “na hora” e 4) o excesso de expetativas em torno da sua “produtividade”. Nada disto reflete a realidade e compromete seriamente a qualidade do trabalho desenvolvido e a sustentabilidade das empresas a médio prazo.

A minha proposta para as pessoas e para as empresas é: vamos repensar na nossa relação com o trabalho, vamos Desconectar para Reconectar com Valor. Como? Através da “slow produtivity” (produtividade lenta), como sendo um investimento no bem-estar e na saúde mental das nossas “Pessoas”. Já sei, estão a pensar que sou louca, mas não sou! Aliás, não sou só eu que proponho esta abordagem sobre a produtividade lenta, mas Cal Newport no seu novo livro de 2024, vai buscar a inspiração ao movimento Slow Living da década de 80 e à múltipla investigação científica realizada a nível internacional no campo da psicologia, das neurociências e do comportamento organizacional. Vamos dar oportunidade à produtividade significativa, em que as pessoas devem obedecer ao seu ritmo natural para produzirem com foco intencional priorizando no seu trabalho o que é importante, não descurando o significado do mesmo e a gestão consciente do seu tempo de trabalho, com o intuito de abraçar os períodos de descanso que permitam a reflexão e, concomitantemente, a recuperação do corpo e da mente.

Só falta, integrar nesta proposta a IA! Aqui, vai!  Importa agora compreender o que é estratégico no nosso trabalho e o que não é, ou seja, o conjunto de tarefas que não agrega valor (ex: responder aos 600 e-mails na segunda-feira de manhã, ler os 500 relatórios do último mês ou fazer tarefas puramente administrativas). Ao introduzir as novas tecnologias de informação, como a inteligência artificial num sem número de atividades menos estratégicas que desempenho, poderei gerir o meu tempo e libertar-me através da otimização para ser mais criativo e mais produtivo no que realmente importa e impacta no negócio das empresas.

Contudo, estes ganhos de tempo devem ser redirecionados a favor das pessoas e, não apenas das empresas! As empresas que já têm implementada uma cultura de confiança, de autonomia e de segurança psicológica permitem que as “suas” pessoas possam prosperar e libertar todo o seu potencial com ganhos para ambas as partes. Aliás, Cal Newport (2024) acrescenta que o valor de controlar o próprio ritmo e respeitar os ritmos naturais permite que as pessoas não sucumbam à pressão de estarem constantemente “ligadas” e produtivas; as pessoas devem ser sistematicamente encorajadas a honrar a sua necessidade de descanso, reflexão e renovação”.

Em suma, acredito que esta proposta de valor quando devidamente enquadrada e atendendo às necessidades específicas das pessoas e das empresas pode ser muito interessante e desafiante, mas permite estabelecer um objetivo comum. Se por um lado, aumenta a qualidade de vida das pessoas, por outro permite impactar nos resultados estratégicos das empresas alavancando o lucro através dos ganhos de competitividade! Quem sabe um dia podemos sonhar com a Semana de 4 dias para todos os Portugueses!!!