Os resultados das eleições legislativas, a par das habituais promessas de campanha eleitoral, levaram o país a um pródigo e generalizado estado de êxtase. Não só as novidades “fresquinhas” da política nacional são noticiadas ao segundo, como se tornaram objeto de uma tortuosa e prolongada análise de comentariado televisivo, capaz de azucrinar, ou viciar, todo e qualquer português que por ela se deixe levar.
Assim, não é de difícil observação a renovação deste novo contra-poder que tomou, por assalto, determinados canais televisivos. A arma da Democracia que, outrora, e com os seus conhecidos defeitos, investigou e fiscalizou o poder, tornou-se, a partir dela própria (ou, quem sabe, a partir de forças externas), numa nova forma de poder que tem a capacidade de agravar exponencialmente a crescente divisão e radicalização da sociedade.
Vejamos o seguinte. Se a todo o pormenor de informação for dada semelhante relevância, não entraremos num estado de desconfiança tal que a própria valorização da notícia decrescerá? Se toda a notícia for filha da mesma espectacularidade sensacional, não entraremos numa espiral padronizada que tornará a notícia de hoje, obrigatoriamente, mais espetacular que a notícia de ontem, como se de uma droga se tratasse? Se a tratados de objetividade for criada uma nuvem de subjetividade, não entraremos no reino da pura ordem de especulação que não cessa a desconfiar, mesmo quando não existem indícios suficientemente fortes para tal?
E mais importante. Se condenarmos a previsão do futuro à supérflua futurologia, não poluiremos, desnecessariamente, a própria ação política e consequente debate público em torno das temáticas abordadas?
Que é corriqueiramente natural o estudo da arte do futuro e da sua magnânima incógnita, não é o ponto da minha contestação. Afinal, isso faz parte da genuína essência do Homem, seja ele comentador, jornalista ou pescador. O problema revela-se, no entanto, quando caminhamos para o precipício do infinito e mais além. Quando ultrapassamos a ténue linha que separa as incríveis convicções posteriormente confirmadas de Burke sobre a Revolução Francesa, da simbologia trágico-dramática do horóscopo da Maya.
E hoje, tal como é enunciado, há claramente mais Mayas do que Burkes, que ao não saber o que querem fazer crer, mais ajudam a des-saber os pobres portugueses que, por estarem também fartos da hiper-mediatização da política, podem acabar por tomar decisões eleitorais muito pouco admiráveis na ótica de determinados fazedores de opinião. Claro que depois lá balbucia o jornalista, horas e horas a fio, perante o temível terror do extremismo e de qualquer outro lamentável -ismo que se invente.
De repente, passamos do útil ao desagradável. Somos tomados pela incessante repetição de cenários, análises, críticas e opiniões (a maioria sobre a mesma capa de insipiência intelectual), levando-nos à mais profunda barafunda que confunde e desconcerta todos aqueles que ainda não foram picados pelo vício do último momento. Deixamos de informar e passamos a explorar o telespectador.
Para combater este desfecho de fraca feitura, tenho apenas um pedido a fazer. Sejamos perspicazes na formulação de toda a nossa convicção, mas sejamos, de igual forma, temperados pela nossa honestidade e serenidade. A opinião e a intervenção devem surgir da independente e orgânica vontade do ser pensante, e não de uma máquina interna e tendenciosa de soundbytes estrambóticos, cujo único objetivo é o da superiorização do próprio ego, ideologia ou partido.
Caso contrário, a informação passa a não estar livre do seu potencial perverso e incendiário, onde tudo depende, apenas, da forma como é utilizada, contra quem é utilizada, e mais importante…
…por quem é utilizada.