Numa aldeia do interior de Portugal existia um café. Nesta pequena povoação existiam alguns outros estabelecimentos, mas quando o bisavô do Pedro Nuno abriu portas, nos anos quarenta, era o primeiro café com uma máquina expresso. Rapidamente o café ganhou popularidade na aldeia e passou a ser o mais requisitado pela pequena população. A proximidade da aldeia com algumas cidades e vilas maiores trazia frequentemente turistas à caricata povoação, que não dispensavam uma paragem na loja para provar a iguaria.

Os anos foram passando e a criação de novos acessos à aldeia trouxe mais e mais turistas. Principalmente desde que a Câmara Municipal tinha lançado uma campanha internacional de publicidade. Desde essa altura que eram mais os estrangeiros que os locais a passear na rua. Infelizmente, ou não, o bisavô do Pedro Nuno não pôde ver o crescimento da aldeia, mas os seus filhos viram-no por ele. Continuaram a gestão do café de geração em geração até chegarem ao mais recente dono: Pedro Nuno.

O café do Pedro Nuno ainda era uma referência mas já não era único. Claro que os outros cafés foram adquirindo máquinas expresso ao longo dos tempos e hoje já todos serviam o mesmo café. O Pedro Nuno dizia que não era bem a mesma coisa, que o dele era feito com mais carinho. Aliás, ele até tinha aumentado a sua oferta para incluir aqueles doces que os turistas gostam, como croissants e tartelettes. Com o tempo, também a concorrência melhorou o seu café e a sua oferta, mas o preço era semelhante e a fama, essa já ninguém a tirava ao café do Pedro Nuno. Enquanto ele se continuasse a diferenciar, o negócio estava garantido.

No entanto, a globalização traz surpresas e num certo dia de Verão, no pico de afluência de turistas na aldeia, abriu o primeiro café de uma conhecida cadeia internacional de cafés. O novo espaço era enorme, trazia consigo uma equipa de baristas treinados que faziam não só café mas também latte, cappuccino e mais umas coisas de que nunca se tinha ouvido falar para aqueles lados. Já para nem falar na oferta de bolos… O pior? Era mais barato que os cafés da zona, até que o café do Pedro Nuno.

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Os turistas foram os primeiros a mudar. Afinal de contas já conheciam a cadeia, mas com o tempo até os próprios locais começaram a ter curiosidade em experimentar. Na verdade, os locais enfrentavam um dilema: por um lado, queriam ajudar o amigo Pedro Nuno, que tanto tinha feito pela aldeia ao longo dos anos, mas, por outro, tinham o novo café que oferecia mais, melhor e mais barato e, convenhamos, esse era um argumento convincente para a maior parte.

O Pedro Nuno estava decidido: o café da sua família não iria fechar, não enquanto ele o gerisse. Decidiu que o seu espaço teria que fazer face à inovação da grande cadeia internacional e, por isso, decidiu adquirir as mais recentes máquinas de café do mercado. Foram caras, mas iam valer a pena. Investiu no espaço, também. Um designer reviu a imagem do café para ficar mais moderna. Até apostou numa grande campanha de publicidade. Agora, o café do Pedro Nuno estava pronto. Ele tinha gasto as poupanças da família, mas para um bom fim: a manutenção da imagem de marca da aldeia. Só havia um problema, o pequeno café não conseguia ter a estrutura de custos de uma cadeia internacional e, por isso, não conseguia praticar os mesmos preços. Porém, isso não seria um problema, a reputação também tinha de contar para alguma coisa, certo?

Não contou e o número de clientes era cada vez menos, mas o Pedro Nuno não poderia perder o café, não depois de tanto dinheiro investido. Quando parecia que o cenário não podia piorar, mais três cadeias internacionais invadiram a pequena aldeia. Uma delas até fez uma proposta para adquirir o café, que o Pedro Nuno declinou prontamente.

O Pedro Nuno estava convencido de que só a aldeia poderia salvar um dos seus símbolos e por isso pediu dinheiro aos aldeões, que lhe emprestaram o pouco que tinham e podiam. Eles gostavam do Pedro Nuno, mas também tinham as suas próprias despesas com saúde, educação e o dinheiro não era abundante.

Ora, o interessante desta história é que o café nunca foi um café e o apelido do Pedro Nuno é Santos.

Poderá pensar-se que um café e uma companhia aérea pouco têm a ver, mas os básicos da gestão tanto se aplicam ao pequeno como ao grande negócio. O que é facto é que a situação que a TAP enfrenta hoje é o acumular de décadas de más decisões que a tornaram pouco competitiva e incapaz de fazer frente aos colossos dos céus que hoje operam em Portugal.

É discutível se existem métodos melhores ou piores para reabilitar a companhia (pessoalmente, não acredito em milagres, no que toca a gestão), no entanto, uma coisa parece-me certa: continuar a imputar o custo de um plano de reestruturação que até hoje não trouxe resultados a uma sociedade que passa privações aos mais variados níveis parece-me uma escolha, no mínimo, obscena. Concordo que uma companhia de bandeira é importante, mas será mais importante que os 9,5% da população empregada que é considerada pobre? Poderá essa mesma companhia ser gerida por privados ou devemos forçar a administração pelo Estado à custa dos contribuintes?

Permita-me o leitor uma revelação em relação à história inicial: o café fechou e é hoje uma loja de lembranças.