Alimentou no fim do mês de Dezembro a guerrilha parlamentar e a opinião. Num resumo que li desta, de Paulo Querido no VámoLáVer, são citados nada menos do que seis colunistas: Daniel Oliveira, Ângela Silva, Pedro Adão e Silva, à esquerda, e João Miguel Tavares, Vítor Rainho e Helena Garrido, à direita.

A arrumação esquerda/direita é dele e a escolha dos citados também – houve muitos outros, porventura menos conhecidos, ou tanto como aqueles se se incluírem programas de rádio e de televisão.

O caso tem uma importância menos que diminuta e girou em torno do que o homem ia ganhar e dois escândalos correlatos: um o de não querer abdicar do seu salário de origem e o outro o de ficar a ganhar, dentro do Governo, mais do que o PM e o PR porque Mário Centeno, invocando não sei quê, não estava disposto a pagar o patau (contrariando, parece, práticas anteriores do BdP).

Sobre isto aquelas luminárias dividiram-se:

De um lado fala-se de hipocrisia e falta de transparência do Governo, que quis passar à sorrelfa a manobra, que sim senhor mas assim não, que está tudo muito mal pago, razão pela qual o melhor é continuar a pagar mal enquanto não ganharem todos bem, que há nomeações políticas e captura do Estado por interesses partidários; e outras coisas ponderosas às quais não tive acesso porque não assino nem o Expresso nem o Público. Lá pelo meio, e tratando-se de gente de esquerda, arrisco mesmo sem ler que alguém dever ter cutucado a ferida da inveja: o trabalhador a quem sobra mês no fim do ordenado fica irado com esta malta da dança das cadeiras, e em saindo o ordenado dos impostos acha (com impecável lógica) que lhe estão a ir ao bolso, povoado sobretudo por cotão;

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Do outro concorda-se que o Governo geriu a coisa com inépcia e falta de coragem para assumir as suas escolhas, além de amanhar às pressas um diploma legal, mas pergunta-se quem diabo é o gestor, empresário ou advogado de sucesso que quer ir para a política ganhar mal e de que forma é que podemos falar de poupanças com reorganizações quando não se recrutam os melhores para as efectuar.

Isto disseram eles e o mais que já não terá interesse porque o assunto neste momento está esgotado, como compete a escândalos de trazer por casa.

A mim, porém, sobram algumas dúvidas:

  1. Para que diabo é necessário um secretário-geral e quatro secretários-gerais adjuntos para coordenar imagina-se que as secretarias dos 17 ministérios e das 41 (salvo erro, a Lei Orgânica do Governo, se posta em papel, deverá pesar não menos de um quarto de quilo) secretarias de Estado?
  2. É relativamente pacífico que quem disser que está disposto a abdicar de remuneração substancialmente superior à das funções políticas para que for convidado ou é um santo, ou hipócrita, ou acha que a função, em conhecimentos e eventuais colocações no futuro, poderá compensar. De santos sempre houve porém uma notável escassez.
  3. Os ordenados dos políticos – todos – são miseráveis, incluindo os dos deputados. A razão porque nisso não se mexe é que o eleitorado despreza a classe política e, portanto, seria necessária unanimidade na AR, improvável porque haveria partidos que não resistiriam a seguros ganhos eleitorais, afivelando para o efeito uma máscara de grande virtude, generosidade, preocupação pelos pobres e outras piedades.
  4. O aumento da despesa pública decorrente de eventuais, e sérios, aumentos, seria intolerável porque a dívida pública não permite encarar o futuro (acréscimo necessário de despesas militares, possível crise económica nos países comercialmente mais relevantes para nós, e um longo etc.) com confiança. E aliás a redução dessa dívida, não para os arbitrários, e claramente excessivos, 60% do PIB, mas para níveis consideravelmente menores, deveria ser a prioridade que não é. Donde os aumentos, evidentemente necessários, só são encaráveis num contexto de desengorda do Estado, a começar desde logo pelas suas camadas superiores, incluindo a AR, no caso desta na medida em que isso não afectasse significativamente a representatividade.
  5. O princípio geral deveria ser o de ninguém ser prejudicado por efeito do desempenho de funções públicas. Já basta o prejuízo natural de quem se lembrar, por vocação ou interesse, de servir a Pátria logo ao sair da Faculdade, comprometer a sua carreira por dedicar os anos fundacionais dela a uma actividade de risco por o respectivo futuro ser por definição incerto. Os termos concretos de tal direito (remuneração média declarada fiscalmente no último ano ou nos últimos três, ou outra coisa qualquer, mais uma data de ses e poréns) teriam de ser objecto de lei desejavelmente simples e acessível às luzes literárias dos reformados do meu café, adestrados na leitura dos pasquins desportivos.
  6. E os que ganhavam apenas uma miserável pitança ou nem isso, deveriam ser bem pagos? Deveriam. Porque a constatação de que há uma nuvem de nulidades que povoam o Parlamento, os gabinetes ministeriais e a floresta do sector público, não nos deve fazer esquecer que o que o Estado precisa não é de pagar mal; é de, sendo pequeno, poder pagar melhor e atrair os melhores ou, ao menos, os muito bons.

De modo que do caso Rosalino retirou-se a conclusão de que o Governo deveria ser ou mais hábil ou mais corajoso. E não se retirou que ser as duas coisas de pouco serve porque vontade de reformismo esclarecido não dá sinais de ter; e, se desse, não lhe adiantava nada porque esbarrava na AR, onde mora o elefante meio apodrecido do conformismo estatista.

Nota editorial: Os pontos de vista expressos pelos autores dos artigos publicados nesta coluna poderão não ser subscritos na íntegra pela totalidade dos membros da Oficina da Liberdade e não refletem necessariamente uma posição da Oficina da Liberdade sobre os temas tratados. Apesar de terem uma maneira comum de ver o Estado, que querem pequeno, e o mundo, que querem livre, os membros da Oficina da Liberdade e os seus autores convidados nem sempre concordam, porém, na melhor forma de lá chegar.