Há um ano, escrevi aqui um texto intitulado “O CDS no seu labirinto”. O que lá vem escrito sobre os meus sentimentos em relação ao CDS mantém-se actual, as previsões que fiz em relação à disputa da altura foram validadas pelo tempo. Se alguma coisa se acentuou, foi a minha sensação de afastamento do CDS. O CDS de hoje ainda me fala menos que o de há um ano — tanto que nas eleições presidenciais, pela primeira vez, não segui a indicação do meu partido. Mas mais do que a mim (onde pode dar-se o caso de estarmos perante o clássico “não és tu, sou eu”), o que observo à minha volta, vejo escrito na imprensa e redes sociais e nos números das sondagens, é que o CDS fala cada vez a menos pessoas.

O CDS tem um problema de sobrevivência. E não temos muito tempo para resolvê-lo. Não se trata de uma opinião singular mas de um juízo consensual: não há ninguém que pense que as coisas nos estão a correr bem.

As reacções a este parágrafo e seu desenvolvimento foram mais claras do que eu esperava. Como escrevi acima, sinto o mesmo que o Adolfo Mesquita Nunes aí descreveu. Concordo com o diagnóstico e concordo que deveria ser consensual. Mas a verdade é que às vezes, na política, as motivações e as coligações são multi-variáveis. E sobretudo o grau da urgência na situação presente do CDS poderia não ser visto da mesma forma por toda a gente. No entanto, os últimos dias mostraram que sim: é consensual que o CDS tem um problema de sobrevivência e é consensual que a resolução desse problema é urgente, sob pena de não haver nada a salvar.

Sinto um enorme alívio com isso. Não imaginava cenário pior que a manutenção dum caminho que todos os dias mostra não ter futuro por razões de ilusão ou incompreensão da gravidade do momento. Nas palavras que o Filipe Lobo D’Ávila, o José Miguel Garcez e outros deixaram no momento da sua demissão leio – vindo do íntimo da direcção do CDS – exactamente a compreensão que eu, de fora dessa e de fora da vida interna do CDS, tenho vindo a construir: o CDS está mal.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Isto não quer dizer que alguns, apesar de tudo, não se escudem num raciocínio de cabala ou de traição perante as evidências e as consequências que delas tiraram e estão a tirar vários dirigentes nacionais. Não compro esse raciocínio, apesar de ser uma defesa comum. Recordo o mesmo tipo de discursos em 2007, quando José Ribeiro e Castro acabaria por perder a disputa interna com apenas um quarto dos votos do partido. Também na altura choveram acusações de golpe, traição, etc., quando afinal havia apenas uma direcção nacional sem perceber que não tinha apoio no partido.

A verdade é que a decisão de chamar os órgãos competentes a assumir as suas funções e o pedido de marcação de um Congresso electivo não pode estar mais longe da ideia de golpe. Os órgãos e os estatutos existem para ser utilizados e existem para dar voz aos militantes do CDS. Declarar certas áreas dos estatutos como instrumentos de golpe ou traição é sinal de desespero.

E, em segundo lugar, não convence que quem estava na Comissão Executiva do partido e se demitiu por estes dias, o faça por ambição pessoal ou falta de lealdade quando já está nos lugares cimeiros do partido, mas assume uma ruptura sem qualquer ganho pessoal e sem vontade de disputar a liderança. E recorde-se que agora é apenas um culminar de saídas que já se haviam iniciado dias depois do Congresso de Aveiro. Dos candidatos a líder que apoiaram a actual direccção, tirando o agora demissionário Filipe Lobo de Ávila, já nenhum se mantém sequer no CDS. E não foram só esses que deixaram o CDS no último ano.

Estou convencido que o CDS nem sequer tem, como se calhar teve noutras alturas, um problema ideológico. Nem a velha — suposta — guerra entre lógicas mais conservadoras e liberais e lógicas mais democrata-cristãs. Não vejo — e tenho tido muitas conversas com dirigentes do presente e do passado — nenhum problema de identidade, nem mesmo face aos novos partidos no campo do CDS. O CDS continua a fazer sentido, mas tem, essencialmente, um problema de liderança. De afirmação. De coerência na comunicação e de criação de caras na opinião pública. De maturidade quando enfrenta as normais dificuldades do dia-a-dia de um partido.

A liderança presente prometeu uma Nova Direita — um slogan curioso, inspirado num movimento francês oposto à tradição judaico-cristã em que o CDS fundamenta os seus valores –, mas não conseguiu inovar ou convencer. E teve todas as condições para tal. Gozou de um momento de paz interna que Assunção Cristas nunca teve. (Agora, se calhar andamos esquecidos, mas lembro-me quando semanalmente se liam artigos na imprensa vindos de dentro do partido a criar ruído em torno da sua mensagem. Isso não aconteceu no último ano, o que aliás pode ajudar a explicar que agora a resposta ao Adolfo seja tão forte — parece que muitos só esperavam um sinal que tardava.) Os momentos mais dissonantes vieram, aliás, de dentro do grupo de apoiantes que venceu o último congresso, como agora novamente se verifica. Longe de ser um golpe, o que está a acontecer é uma debandada. E acredito que não houve falta de vontade, falta de trabalho ou falta de entrega. Mas as coisas são como são.

Volto ao início deste texto e ao do Adolfo: “Não há ninguém que pense que as coisas nos estão a correr bem.” É evidente que não estão e que é preciso dar uma nova força ao CDS – a actual direcção nacional não a conseguiu ter. É também evidente que adiar o que é inevitável precipitará o CDS numa situação da qual este pode bem não voltar a levantar-se.

Fazer de conta de que não há contas a prestar após as demissões nos órgãos nacionais e com o partido abaixo da margem de erro em todas as sondagens, é assumir que vale mais o orgulho pessoal e a birra do que a voz dos militantes do CDS em nome de quem se exercem os mandatos. A convocação de um Conselho Nacional onde hoje não estão representados oito distritos nem as duas regiões autónomas, não é ouvir o partido. É dar peso às inerências dos órgãos nacionais para fugir às bases e aos militantes. A moção de confiança que Francisco Rodrigues dos Santos pede já lhe foi dada no órgão a que preside: os eleitos da Comissão Executiva do CDS tiraram a confiança ao seu presidente.

A pergunta que se coloca aos responsáveis do CDS é esta: os militantes merecem ser ouvidos, dado que o partido está numa profunda crise interna e externa? Ou está tudo bem e uma direcção nacional descredibilizada à luz dos seus mais próximos apoiantes vai conseguir convencer o país? Se os militantes validarem o caminho presente – e claro que, se fosse evidente que validam não estávamos a assistir ao discorrer diário de subterfúgios sobre porque é que é má ideia ouvi-los –, a responsabilidade é deles. Mas se não se der a voz aos militantes, os que o impedem podem bem estar a assinar a certidão de óbito do CDS. Nas costas do partido.