A falta de médicos nos sistemas de saúde tem sido referenciada por todo o Mundo, não se limitando a ser um problema apenas do nosso país. Neste contexto, um dos problemas inerentes tem sido o facto de as novas gerações terem uma perceção de trabalho diferente da tradicional, pretendendo agora conjugar o trabalho com a vida pessoal. Como tal, os sistemas têm sido chamados a criar condições para respeitar os interesses das novas gerações e equilibrar as necessidades de recursos humanos no mercado.

O equilíbrio entre vida pessoal e profissional pretendido pelos médicos mais jovens leva-os a preferirem horários mais flexíveis, horários de trabalho reduzidos e oportunidades de passar tempo com a família e perseguir interesses pessoais. Para eles, a medicina faz parte da sua identidade, mas não consideram que seja toda a sua identidade.

Recentemente, o Wall Street Journal abordou os médicos mais velhos para avaliar o que eles pensavam sobre este dilema. Alguns deles veem a medicina como uma vocação, que exige um sacrifício pessoal significativo. Muitos deles suportam horários extenuantes e fazem muitos sacrifícios pessoais para corresponder às exigências da profissão, muitas vezes, considerando isso como um ponto de honra e parte da essência de ser médico.

As sociedades mais avançadas valorizam cada vez mais o equilíbrio entre vida pessoal e profissional e o bem-estar mental, influenciando as expetativas dos profissionais mais jovens em todos os setores, incluindo a medicina. No meu ponto de vista, esta visão corresponde a uma mudança cultural que acompanhou tempos de abundância e de crescimento económico. Na verdade, esta cultura levada a extremos, não prepara a sociedade para períodos mais difíceis e leva a mesma a desconsiderar a importância do trabalho na sua sobrevivência e desenvolvimento. Claro que não podemos desconsiderar a evidência do impacto das longas horas de trabalho, da tensão emocional e do esgotamento, tanto no atendimento aos doentes, como na saúde dos médicos. Também não podemos desconsiderar as gerações Millennials e Z, que entram no mercado de trabalho, trazendo expectativas de ambientes mais flexíveis em comparação com a geração dos “baby boomers” e a geração X. O aumento do emprego hospitalar e das práticas de grupo em relação às práticas de trabalho individual permite, atualmente, definir responsabilidades mais partilhadas, tornando a flexibilidade mais viável. Neste ponto, os mais críticos argumentam que a redução de horas de trabalho, ou a mudança de responsabilidades, podem afetar o acesso do doente e a continuidade dos cuidados.

Alguns médicos seniores questionam se os médicos mais jovens estão tão comprometidos com a profissão como eles. Não é simplesmente a vocação que está em causa, mas sim o compromisso profissional. No meu ponto de vista, a vocação é algo inerente, mas o compromisso tem de ter contrapartidas ajustadas às expetativas das partes. A dificuldade da medicina associada a uma retribuição relativamente mais elevada e a um estatuto social reconhecido (aspetos que têm perdido impacto nas últimas décadas) continua a atrair alunos com notas elevadas e alta capacidade de estudo. A questão que se põe a estes alunos e futuros médicos é:  até que ponto estarão dispostos a reduzir o equilíbrio com a vida pessoal a favor do estatuto social e a parte remuneratória, numa área em que a sociedade tem carências crescentes?

O que está em causa é equilibrar o compromisso da medicina assente no juramento de Hipócrates, com as distrações sociais das novas gerações, que não querem resumir a sua vida a uma profissão.

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