Quando, em novembro de 2015, foi admitido o primeiro doente em hospitalização domiciliária em Portugal, no Hospital Garcia de Orta, estávamos longe de imaginar a dimensão que este modelo atingiria. Sabíamos das vantagens e da segurança deste internamento, que foram apresentadas ao doente e à sua esposa que prontamente aceitaram o desafio. Existia a convicção que aquele doente iria melhorar e a pneumonia ia ficar resolvida com as visitas diárias domiciliárias da equipa hospitalar para observação, ensinos, reabilitação e administração terapêutica. O problema clínico solucionou-se e foi muito interessante sentir a satisfação do doente, da família e da própria equipa. Seguiram-se mais doentes e outros hospitais – e hoje a rede é muito vasta, sendo uma realidade do SNS e do sistema de saúde privado. A experiência já adquirida não deixa dúvidas que o internamento domiciliário faz parte da Medicina do presente e do futuro.
A hospitalização domiciliária (HD) é o internamento de doentes agudos (ou crónicos agudizados) em suas casas, sendo uma alternativa ao internamento hospitalar convencional, sempre sujeita a aceitação do doente e a alguns critérios de elegibilidade: os doentes têm de ter uma situação clínica transitória com diagnóstico conhecido e estabilidade clínica; têm de possuir contacto telefónico e ter presente um cuidador; o domicílio tem de estar na área de influência da unidade hospitalar de referência e, inevitavelmente, tem de ter boas condições de higiene e segurança.
A equipa de saúde (médico, enfermeiro e, eventualmente, outros profissionais) visita diariamente os doentes e está disponível 24 horas por dia para responder em caso de dúvida ou agudização clínica, sendo o contacto realizado por telefone, que substitui a campainha do quarto do hospital. Em caso de necessidade é realizada uma articulação com os serviços hospitalares em tudo semelhante ao internamento convencional, desde pedidos de apoio de outras especialidades clínicas, à realização de exames de imagiologia – o elevador hospitalar é substituído por uma ambulância.
No contexto da Medicina moderna, o uso de dispositivos de telemonitorização revela-se muito útil na vigilância ativa dos doentes internados no domicílio e já existem várias soluções disponíveis que, inclusivamente, estão associadas a uma redução dos custos do internamento.
Entre os diagnósticos mais frequentes em HD estão as infeções respiratórias, representando cerca de 30% dos internamentos, podendo existir indicação para a realização de oxigenoterapia suplementar e, eventualmente, terapêutica antibiótica e reabilitação respiratória.
Ora, se a HD já responde a situações de infeções respiratórias e se, atualmente, estamos a atravessar um cenário pandémico que tende a causar infeção respiratória, então não faz sentido a sua articulação na resposta aos doentes? Faz pois.
Considerando a atual pandemia SARS-CoV-2, a apresentação clínica mais frequente desses doentes e a forma de propagação, o Núcleo de Estudos de Hospitalização Domiciliária da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna emitiu um parecer que permitiu incorporar a HD na organização do sistema de saúde na resposta à pandemia. Num primeiro momento foi encarada como uma alternativa para doentes sem infeção por SARS-CoV-2, ao permitir que os hospitais adquirissem mais capacidade de resposta no internamento convencional para situações que necessitassem de maior vigilância.
Num segundo momento, foi parte da resposta à infeção por SARS-CoV-2 com a possibilidade de internamento de doentes com Covid-19 em regime domiciliário, de acordo com a norma de orientação clínica da Direção-Geral de Saúde. Por fim, num terceiro momento, em algumas unidades, caso a capacidade da unidade hospitalar de referência esteja lotada, a HD é uma alternativa de internamento primário para casos confirmados ou prováveis de infeção por SARS-CoV-2.
Ao longo deste processo pandémico as respostas do sistema de saúde têm vindo a adaptar-se e, a cada momento, podemos construir a melhor solução estrutural de HD na resposta aos doentes com infeção por SARS-CoV-2.
O entorno psicológico é muito importante no processo de recuperação e a HD tem vantagens nessa área. Recordo uma doente octagenária que, tendo infeção SARS-CoV-2, estava no 8.º dia de internamento a precisar de continuar terapêutica endovenosa e oxigénio suplementar: expliquei-lhe o que é a HD e propus-lhe o modelo de internamento em sua casa. A resposta foi “claro que quero continuar a ser tratada em casa, porque assim posso ver os meus netos no jardim pela janela do meu quarto – tenho muitas saudades”.
Importa ainda destacar o trabalho dos assistentes sociais que se reveste de particular importância na avaliação das condições de isolamento domiciliário e na procura de respostas sociais na comunidade, ajudando a planear precocemente a alta do doente.
Em todos os momentos devem os médicos e enfermeiros realizar o ensino para reconhecimento de sinais de agravamento respiratório. Nunca poderão ser esquecidas as medidas de higiene e segurança de doentes, cuidadores e profissionais de saúde, com o fornecimento e uso adequado de equipamentos de proteção individual. Devem ser sempre asseguradas medidas de isolamento no domicílio, com a possibilidade de lavagem das mãos, ensino e promoção da etiqueta respiratória, limpeza e desinfeção do espaço físico, assim como a contenção da movimentação em casa.
Antes, durante e após a pandemia Covid-19, a hospitalização domiciliária é parte da solução global do sistema de saúde, expandindo o hospital para a comunidade e constituindo um modelo de internamento que permite atingir a eficiência, sem prejuízo da segurança do doente.