Ao longo desta pandemia temos sido testemunhas da real dificuldade que é comunicar em Saúde. Muito se teoriza acerca da comunicação médico-doente, da comunicação no ato de cuidar, da comunicação no acto de humanizar os cuidados médicos e de enfermagem, da comunicação inter-pares, da partilha de informação com a comunidade, entre muitas outras teses do saber relacional, mas na prática poucos de nós, profissionais de saúde, temos real experiência dessa boa comunicação.

Num estudo publicado em 2010, na revista Archives of Internal Medicine, Olsen e os seus colaboradores contabilizaram que 24% dos doentes que mudou de médico fê-lo por considerar o médico incompetente, mas 76% dos doentes que mudou de médico fê-lo por não conseguir estabelecer com o médico uma relação pessoal. No mesmo estudo os médicos consideravam que 75% das vezes que comunicavam com os doentes estavam seguros que eles os tinham compreendido, contudo, a percepção dos doentes é que apenas compreendiam 21% das vezes que os médicos comunicavam com eles. Está bom de ver que a representação daquilo que fazemos depende de quem nos observa, e a normalização simplificada da comunicação deve ser uma prática a implementar.

Assistir a discursos erráticos, pouco claros e titubeantes de líderes políticos nacionais e internacionais sobre a Covid-19, sem que isso se traduza num fortalecimento de boas práticas em Saúde, mas apenas promovam a confusão na comunidade é, no mínimo, deprimente. Todos somos o mundo de alguém, e todos temos de ter a capacidade de compreender que não vai ficar tudo bem para todos e que aquilo que dizemos condiciona os comportamentos de grupo e a Saúde pessoal e global.

Portugal é um exemplo em muitas matérias, e também tem sido um exemplo no combate à Covid-19. Fruto da conjectura, da Saúde Pública, de alguma ação governativa, mas sobretudo fruto da ação dos médicos, dos enfermeiros e de todos os profissionais de saúde, temos tido a capacidade de responder a esta pandemia. Mesmo assim, a capacidade de adaptação das pessoas não é infinita, a resistência do sistema de saúde, em particular do Serviço Nacional e Saúde, não é inabalável e um país não vive de incertezas.

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Sendo muito objectivo:

  • não podíamos ter demorado tanto tempo a promover o uso de máscaras – fica difícil de contradizer o que foi dito!
  • não podíamos ter pedido o apoio de todo o sistema de saúde e depois tirar o tapete aos privados a meio de todo o processo com consequências importantes para o sistema – revelámos incapacidade de planear!
  • não podíamos ter balançado nos discursos sobre as celebrações em Fátima e contradizer o senso e as recomendações gerais – quem acreditará em nós?
  • não podíamos ter considerado aceitáveis as celebrações na Alameda D. Afonso Henriques no dia 1 de Maio de 2020 – quem nos respeitará?
  • não podíamos ter dito que a idade é um fator de risco mas não é um fator de risco absoluto – quem entenderá?
  • não podemos deixar reticências para decidir adiante o Avante – quem nos dará credibilidade?
  • não podemos deixar o ónus da suspensão de festivais de Verão nas organização dos próprios festivais, como se o poder político ainda estivesse a fazer um favor aos festivais – quem confiará no nosso trabalho?
  • não podemos ter a ministra da Saúde a dificultar a vida à diretora-geral de Saúde – parece o jogo do “agora-resolve-tu”!
  • não podemos ter o presidente do Eurogrupo a elogiar o ministro das Finanças português – parece um exercício de esquizofrenia!

Temos de adoptar mensagens claras e eficazes. Temos de insistir nas medidas de prevenção e repeti-las até à exaustão:

  • distanciamento físico
  • higienização das mãos
  • etiqueta respiratória
  • uso de máscara

Há que ter muito cuidado na transmissão de informação científica e não assumir como verdade aquilo que ainda está em estudo. E há que poupar a população aos pormenores do tratamento dos doentes mais graves, que são uma minoria dos doentes com Covid-19, sob risco de se generalizarem conclusões, terapêuticas e procedimentos que não estão comprovados nos doentes menos graves.

Pese embora tudo isto, considero que o balanço até ao momento, em Portugal, é satisfatório. Haverá, concerteza, muito bons comunicadores que estão na praça pública a passar boa mensagem – e isso é muito importante!

Não importámos o Covid-Organics de Madagáscar, mas no primeiro mundo em que vivemos cometemos muitos erros políticos de comunicação – saibamos corrigir!