Na segurança privada, a contratação pública é um dos fatores que mais contribui para o incumprimento das empresas e desenvolvimento de práticas de dumping social.
A administração pública procura, insistentemente, prestação de serviços de segurança privada a baixo custo, ignorando os aumentos salariais dos últimos três anos e fechando frequentemente os olhos às graves consequências que o critério de adjudicação “pelo valor mais baixo” traz aos prestadores de serviços qualificados e, principalmente, aos vigilantes que acabam por ser os mais penalizados com reduções drásticas nos seus vencimentos e direitos.
A administração pública, com a situação pandémica dos dois últimos anos, representa valores muito acima dos 60% no mercado da prestação de serviços de segurança privada. Verificamos que em 2020, 60,9% dos concursos públicos foram lançados com preço base inferior aos custos reais necessários para a execução dos serviços, dos quais 77,8% acabaram por ser adjudicados com valores inferiores ao custo real.
Os preços anormalmente baixos verificados em muitas das empresas que procuram, a qualquer custo, quota de mercado, são, frequentemente, inferiores aos custos mínimos diretos necessários para suportar uma equipa de vigilantes, cumprindo com a lei e associados aos restantes custos indiretos de uma boa gestão de empresas de prestação de serviços, levando essas empresas à prática do dumping social como única forma de encontrarem a sua sustentabilidade e obtenção de lucros.
O combate às más praticas na contratação pública inicia-se com a fase de análise do relatório preliminar onde são elaboradas diversas pronúncias para análise em sede de audiência prévia, nas quais parte das empresas concorrentes contestam o habitual valor anormalmente baixo, tal como outras inconformidades concursais. Com a falta de resultados por parte da análise do júri, que teima na defesa do valor mais baixo, as empresas veem-se obrigadas, no relatório final, a avançar com recursos hierárquicos ou mesmo pedidos de impugnação administrativa, tentando, desta forma, impedir que o concurso avance com empresas incumpridoras e com valores abaixo do custo real. Com base no rasp2020 (Relatório Anual de Segurança Privada), podemos verificar que 77,8% dos concursos públicos acabam por avançar com custos abaixo do seu valor real.
A contratação pública tornou-se numa batalha campal entre os gabinetes jurídicos das empresas e o Estado persiste em não corrigir, regular ou fiscalizar estas más praticas.
Na habitual solicitação das notas justificativas de preços, apreciamos grandes irregularidades como a colocação de valores justificativos associados ao fator “marketing”, custos reduzidos com vigilantes fundamentados no apoio à contratação de desempregados de longa duração, quando é obrigatório o processo de transmissão de estabelecimento, dispensa do pagamento de TSU dos vigilantes, ou mesmo fórmulas de cálculo com valores deturpados… Muitas das entidades adjudicantes insistem em ignorar as graves consequências adjacentes aos baixos valores, ignorando as consequências que os mesmos trazem à adjudicação, como a falta de qualidade dos serviços prestados, visto serem alimentados por uma série de más práticas laborais necessárias à sustentabilidade da empresa adjudicatária, levando, muitas vezes, quase à escravatura do vigilante que é obrigado, por vezes, a mais de 300 horas de trabalho por mês.
Torna-se urgente a criação de uma pré-seleção no procedimento concursal, de forma a permitir que as empresas comprovem a sua qualidade, experiência e competências para os serviços a que vão concorrer, tornando o critério “valor” num fator de apenas 50% na avaliação geral da proposta. Caso isto não se verifique, todas as empresas que investiram na evolução do seu processo organizacional, estrutural e no cumprimento com a lei, estão a ser gravemente prejudicadas comparativamente às novas empresas acabadas de criar e sem quaisquer critérios de qualidade ou de respeito social pelos seus funcionários. O fator “valor mais baixo” está a alimentar o dumping social e a desestruturar todo o setor da segurança privada, alimentando as empresas mais incumpridoras do mercado e prejudicando, gravemente, as cumpridoras.
O contrato deve ser adjudicado à empresa que apresentar a proposta mais vantajosa num conjunto de critérios (abaixo) que beneficie o cumprimento laboral, pagamento de impostos e o respeito pelo vigilante:
- Preço ou custo sustentado por tabelas previamente criadas e estudadas;
- A melhor relação qualidade/preço deve ser avaliada com base em critérios que incluam aspetos qualitativos, ambientais e sociais;
- Uma análise ao rácio de processos em tribunal transitados em julgado;
- Qualificações e experiência da equipa de direção operacional, segurança e supervisão;
- As empresas devem passar a ser avaliadas pelos serviços prestados sempre que os seus contratos terminem, sendo esse um dos critérios a ter em consideração numa análise em futuras candidaturas. Tal vai obrigar ao cumprimento do contrato em questão e ao desenvolvimento de medidas de melhoria contínua por parte de todas as empresas.
A recusa na aceitação do processo de transmissão de estabelecimento ao abrigo do artigo 285º e 286º do Contrato de Trabalho ou da cláusula 14 do Contrato Coletivo de Trabalho está associado à dificuldade que algumas dessas empresas têm com os vigilantes transacionados de empresas cumpridoras que recusam aceitar novas condições contratuais, irregulares e prejudiciais ao vigilante. Para esse tipo de empresa é sempre melhor a contratação de novos vigilantes onde são impostas de base as condições contratuais feitas à necessidade da empresa.
A prática do dumping social está sempre associada à fuga do pagamento de impostos. Este tipo de conduta representa uma redução em custos médios mensais por vigilante na ordem dos 300 euros. O que significa menos 1.350 euros numa portaria TDA 24 horas. Situação que coloca as restantes empresas que cumprem com a contratação coletiva de trabalho e com o devido pagamento dos seus impostos, menos concorrenciais e em grande dificuldade no mercado da contratação pública e privada.
O desenvolvimento destas más praticas laborais, além de afetarem as empresas cumpridoras e o Estado na fuga ao pagamento de impostos, afetam principalmente o vigilante, que todos os meses vê grande parte da sua retribuição mensal desviada para a sustentação e financiamento de empresas incumpridoras, sendo, muitas vezes, obrigado a trabalho acima do admissível.