Neste exacto momento, enquanto lê este artigo, os mesmos que não admitem que se volte a debater o aborto, no sentido de pôr fim à prática generalizada de matar o nascituro no ventre materno; trazem o debate de volta, no sentido de aumentar o prazo – das 10 para as 14 semanas – para matar o nascituro. Ou seja: a biologia mágica, que decretava que o bebé não era um ser humano até às 10 semanas, mas que o era com 10 semanas e 1 dia, decidiu que, afinal, se tinha equivocado. Assim, o debate – sobre a cosmovisão de mundo acerca de duas questões fundamentais que nos afectarão a nós, aos nossos filhos e aos nossos netos por décadas – voltou. A forma como respondermos a essas duas perguntas determinará o futuro de milhões de seres humanos.
Estamos a debater se a verdade moral é real e cognoscível, ou se é apenas uma questão de preferência, como escolher uma camisa cor-de-rosa ou uma camisa azul?
O valor do ser humano está em causa. Será que temos valor intrínseco, por aquilo que somos, ou apenas funcional, por aquilo que podemos fazer?
Essas duas questões, sobre a verdade e o valor do ser humano, deveriam estar na base das discussões nacionais sobre o aborto. Infelizmente, embora disputados, os debates não têm envolvido compromissos profundos com a visão de mundo que chega ao cerne de quem e do que somos como pessoas. Não que o debate em si seja complexo, pois ou acreditamos que todos os seres humanos têm o mesmo direito à vida ou não.
Os cristãos pró-vida respondem: embora os seres humanos passem por diferentes estágios de desenvolvimento, têm o mesmo valor porque partilham uma natureza humana comum que traz consigo a imagem do seu Criador. Todos os seres humanos têm valor pelo simples facto de serem… humanos.
Alguns proeminentes defensores do aborto apresentam uma perspectiva radicalmente diferente. Afirmam que, embora sejamos idênticos ao embrião que uma vez fomos — o que somos hoje não éramos então — isso não significa que tenhamos o mesmo direito à vida, naquele estágio do nosso desenvolvimento, que temos agora. Ser humano, para quem defende essa cosmovisão, não é nada de especial. O nosso direito à vida é estritamente acidental e só gozamos desse direito devido a alguma característica adquirida que um bebé no ventre materno não possui.
Qual é o problema com esse pensamento?
Se os seres humanos têm valor fundamental só por causa de alguma característica que adquirem em diferentes estágios da sua vida, então, aqueles que possuem um grau maior dessa característica têm mais valor do que aqueles que têm um grau menor e a famigerada igualdade entre todos os seres humanos não passa de um mito.
Como cristã, creio que uma visão pró-vida biblicamente informada é capaz de explicar melhor a igualdade humana, os direitos humanos e as obrigações morais do que quaisquer visões seculares pró-aborto; e não tenho dúvidas de que cristãos pró-vida podem ter uma influência mais imediata, desde que estejam equipados para se envolver na cultura e para usar argumentos robustos, cheios de graça e verdade, em defesa da vida.
É nosso dever esclarecer o debate sobre o aborto e estabelecer as regras básicas para o envolvimento em tão nobre causa. Numa cultura cada vez mais subjectiva e relativista, o que antes eram pressupostos óbvios—as regras da lógica, a natureza dos argumentos e até o que significa ser pró-vida—parecem estar numa espécie de limbo. Não definir os termos e usar argumentos piegas pode acabar com uma argumentação pró-vida antes que ela seja sequer verbalizada.
Não há nada moralmente completo nos debates sobre o aborto, ainda que muitas vezes sejam apresentados assim. Podemos matar os nascituros? Sim, eu acho que podemos, se…
Se o quê? Se os nascituros não forem seres humanos.
Qual é a cosmovisão de mundo por trás do debate sobre o aborto?
Alguma vez sentiu que as suas palavras, em defesa da vida, não alcançam o seu amigo ou o seu colega de trabalho? Nunca se sentiu perseguido, odiado e ostracizado por defender a vida da concepção à morte natural? Bem-vindo à cultura da morte.
Depois de perceber isso, prepare-se para ser interrogado sobre cada um de seus pontos de vista e pressupostos e pressionado a explicar como é que o direito à vida pode existir independentemente de bases religiosas fundamentais, porque é que usar esses fundamentos, para informar políticas públicas, deveria ser permitido e porque é que alguém deve supor que temos um direito à vida que os outros são obrigados a respeitar só pelo facto de existirmos como seres humanos.
Os dois lados trazem compromissos metafísicos anteriores para o debate e fazem a mesma pergunta: O que é que dá valor aos seres humanos em primeiro lugar?