Alguns dias passados sobre a apresentação da proposta de Orçamento do Estado para 2017, é agora possível fazer uma análise mais ponderada do documento apresentado e das principais medidas nele previstas. Infelizmente, quanto mais a fundo se analisam as medidas mais emblemáticas deste Orçamento, mais claro fica que estamos perante um cuidadosamente planeado embuste. Vale a pena elencar alguns dos principais exemplos.

Na alegada “reversão” da austeridade, a promessa firme e inequívoca de acabar com a sobretaxa aplicada ao IRS em 2017 deu afinal lugar a uma redução diferenciada da mesma em função dos escalões de rendimento. Pior: essa redução da sobretaxa foi erroneamente apresentada como uma eliminação gradual quando se trata apenas de uma manipulação das retenções na fonte para concentrar os efeitos da redução da sobretaxa na segunda metade de 2017.

Com óbvios fins eleitoralistas, para os escalões com maior número de contribuintes a retenção na fonte associada à sobretaxa cessará antes das eleições ainda que, como não podia deixar de ser, a sobretaxa se aplique à totalidade dos rendimentos de 2017. Uma forma enviesada de aplicação que terá também como efeito agravar os problemas das contas públicas para o final de 2017 em troca de uma folga nos primeiros meses do ano.

Também a propalada actualização dos escalões do IRS assume claros contornos de embuste. Ao mesmo tempo que se anuncia que os portugueses pagarão menos IRS em função da actualização dos escalões em 0,8%, o mesmo Orçamento prevê uma inflação de… 1,5%. Ou seja: todos os trabalhadores que vejam a sua remuneração manter-se em termos reais em 2017 irão – de acordo com as próprias previsões governamentais – ver o seu IRS agravado.

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E por falar em previsões orçamentais, o que dizer da opção governamental de tomar como ponto de comparação para sua proposta de Orçamento para 2017 o Orçamento inicial de 2016 em vez da previsão de execução do Orçamento de 2016? Mais uma vez, embora haja razões técnicas que a possam justificar, o padrão geral aponta, uma vez mais, para motivações de natureza manipulativa.

Mas porventura o maior embuste associado à proposta de Orçamento do Estado para 2017 é o do propalado aumento mínimo de 10 euros para todas as pensões. Depois de estrategicamente divulgado na comunicação social como elemento diferenciador das políticas sociais da “geringonça”, rapidamente se constatou que afinal não seria bem assim e, nomeadamente, que ficavam excluídas as pensões mínimas. Mais extraordinário ainda é que se adiante como razão para a exclusão das pensões mínimas os aumentos anteriores decididos por Pedro Passos Coelho, que assim passou na narrativa da “geringonça” de perigoso austeritário a perigoso esbanjador com os idosos beneficiários de pensões mínimas.

A discussão sobre a possível aplicação de condições de recursos é uma que vale a pena ter mas o mais saliente na actual conjuntura é que o mesmo governo que penaliza pensões mínimas aumenta com este Orçamento substancialmente os rendimentos auferidos por uma pequena (mas influente) minoria de pensionistas, em linha aliás com a decisão de eliminar os tectos salariais aplicados pelo anterior governo aos gestores da CGD.

O embuste orçamental junta-se assim ao embuste político quando nos deparamos com a esquerda e a extrema-esquerda em bloco a propiciar remunerações milionárias para os novos gestores da CGD e a, previsivelmente, aprovar um Orçamento que se traduz num substancial aumento de uma pequena minoria de pensões muito elevadas em prejuízo das pensões mínimas.

Professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa