O envelhecimento da espécie humana é uma enorme conquista civilizacional. Vivemos mais anos fruto da facilidade de informação sobre normas comportamentais que promovem a saúde e dos avanços da medicina na prevenção, no diagnóstico e tratamento das doenças.

No primeiro estudo sobre a Esperança de Vida ao nascer em Portugal, em 1920, a esperança de vida era de 35,6 anos. Nos nossos dias ultrapassa os 80 anos. No Censo de 2021 a percentagem de idosos foi de 23,4%, ou seja existiam no nosso pais, 2 milhões e 418 mil idosos. Destes quase 3 mil, eram centenários.

A nível global, a esperança média de vida, até ao fim do século, deve ultrapassar os 100 anos. O número de supercentenários  (ou seja, pessoas que chegam aos 110 anos) vai aumentar, também em Portugal. A longevidade trouxe consigo enormes mudanças de atitude em relação ao que é ser velho.

O “Velhicismo” é hoje contestado. “Velhicismo” (“Ageism”), é um conceito inventado pelo psiquiatra e geriatra americano Robert Butler) e refere-se aos preconceitos das gerações mais novas em relação aos velhos. Prefiro a palavra “Velhicismo” a “Idadismo”, uma vez que “Idadismo” diz respeito aos juízos errados na apreciação de umas gerações em relação às outras (dos velhos em relação aos adultos jovens, dos adolescentes em relação aos adultos, dos velhos em relação aos adultos e aos adolescentes).

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O Velhicismo considera que ser velho é ser doente, dependente e demente, e associa ser velho a estereótipos sociais como “senil”, “ridículo”, “rígido”, “fraco”, “esquecido” “confuso”… A informação acumulada permitiu corrigir e ultrapassar estes conceitos.

Em Portugal, em 2018, o estudo PEN- 3S (Portuguese Elderly Nutricional Status Surveillance System), revelou que 82,3% dos idosos não têm “deficit” cognitivo e que 73.6% são independentes para a execução das atividades instrumentais da vida diária.

É uma máxima da Geriatria que ser velho não é ser doente, e que quando um velho está doente está doente porque tem uma doença e não porque é velho.

O Papa Francisco afirmou a propósito: “A velhice não é uma doença é um privilégio”.

Velhicista seria Aristóteles que escreveu na Ética a Nicômaco: “O ser humano progride somente até os 50 anos”. Essa conceção distorcida de velhice, fazia-o ver os idosos como pessoas diminuídas, indignas de confiança e por isso precisavam ser afastadas do poder, não devendo exercer cargos de importância política.

A idade média dos atuais conselheiros de Estado é de 72,47 anos. Alguns dos que governam o Mundo são velhos. Por exemplo: o nosso Presidente da Republica tem 75 anos, António Guterres, 74 anos. Lula da Silva 78 anos, John Biden 81 anos, Donald Trump 77 anos.

Os Velhos são valorizados pela acumulação de conhecimento e experiências, pela sensatez, pelo equilíbrio dos conselhos e das decisões, pela visão serena e desapaixonada, pela hierarquização correta dos problemas, por uma outra maneira de encontrar soluções…

O que escrevi não invalida o facto de que ao envelhecermos ficamos mais propensos a estar doentes e que os velhos podem, mais frequentemente que os jovens, sofrer de múltiplas doenças em simultâneo, com a consequente “plurimedicação”.

O envelhecimento humano acompanhou-se de modificações não só na atitude mas também na criação de práticas que procuram manter ativa e útil a velhice.

Isto aconteceu também em Portugal. Criaram-se centros de ginástica mental, aulas de ginástica para séniores, universidades da terceira idade, curso de formação para utilização das novas tecnologias, excursões lúdicas, regalias nos transportes e nas entradas nos museus, cidades amigas dos idosos…

Mas infelizmente a otimização da assistência médica aos velhos portugueses não aconteceu ainda, como devia ser, em plenitude.

A nível dos cuidados, a medicina referente aos idosos e às suas doenças, reconhecida há séculos como uma particularidade da assistência médica e cujo nome, Geriatria, foi criado, provavelmente, pelo médico Norte Americano Ignatz Nascher, em 1909, afirmou-se desde a segunda metade do século passado

É na segunda metade do século xx que a Geriatria se define como especialidade, a partir de 1948, na Grã-Bretanha, quando da fundação do “British Health Service”. Desde então a Geriatria espalhou-se e desenvolveu-se em todo o Mundo.

Seguindo recomendações da Organização Mundial de Saúde o ensino da Geriatria pré e pós graduado foi assumido na maioria das escolas médicas.

Criaram-se Unidades de Geriatria nos grandes hospitais da Europa e dos EUA. A título de exemplo, Robert Butler, atrás citado, fundou na “Mount Sinai School of Medicine” a primeira Unidade de Geriatria americana, em 1982, e em Espanha as Unidades de Geriatria do Hospital San Carlos e do Hospital Ramon y Cajal, já completaram 25 anos de existência.

Tal como a Pediatria, a Geriatria tem os seus indiscutíveis fundamentos científicos para se ter desenvolvido desde então.

Em Portugal temos ensino da Geriatria nalgumas escolas médicas, mas o ensino é teórico, pois não existe espaço físico para o ensino prático da Geriatria que, como se compreende, é uma disciplina clínica. Não existem, em nenhum hospital, Unidades de Geriatria.

As consultas de Geriatria são raras e a própria palavra Geriatria creio que é desconhecida da maioria dos velhos que beneficiariam da sua existência.

Impõe-se, também por razões éticas, como escreveu o Prof. Daniel Serrão, reconhecer a especialidade de Geriatria em Portugal.

À pergunta sobre se estamos a tratar mal os nossos idosos, respondo que não, mas acrescento que não estamos a otimizar essa assistência. Tal como o melhor médico para tratar as crianças é aquele que se especializou nessa atividade profissional: o Pediatra, o melhor médico melhor preparado para tratar os velhos é o Geriatra.

Existem muitos estudos que confirmam esta afirmação, mas a maior evidência da justificação e eficácia da Geriatria é o seu extraordinário crescimento nas últimas décadas.

São estas realidades que ainda nos impedem de afirmar em plenitude, que em Portugal, como na maioria dos países civilizados, o envelhecimento foi uma enorme conquista civilizacional.