Num recente artigo dum jornal diário, lia-se que o “Serviço Nacional de Saúde define como prioridade problema da medicação excessiva de idosos”.

Numa das minhas crónicas anteriores escrevi que os idosos doentes têm frequentemente várias doenças em concomitância. Numa apresentação numa reunião internacional da European Union Geriatric Medicine Society, em Veneza, em Outubro de 2013, a Unidade Universitária de Geriatria, de que era o Coordenador, apresentou os resultados dum estudo sobre este assunto, que revelou que numa amostra de 100 doentes, com idade média de 80,6 anos (35% tinham mais de 85 anos) internados no Serviço de Medicina I, do Hospital Pulido Valente, o número médio de doenças presentes por idoso era de 7,9.

Compreende-se como é difícil e por vezes impossível, reduzir a 5 o número limite ideal de fármacos prescritos. Também o nosso grupo estudou e apresentou na referida reunião, o número de medicamentos que cada idoso tomava na altura da chegada ao internamento hospitalar. Alguns doentes tomavam 16 medicamentos, sendo a média de 8 fármacos por doente.

No referido artigo do jornal, escreveu-se que os idosos tomam medicação excessiva inapropriada. Entendo necessário distinguir medicação excessiva e desajustada, e medicação inapropriada.

A medicação desajustada é que não é imprescindível, que pode ser de eficácia nula ou duvidosa, a que pode provocar ações secundárias cujo tratamento exige mais medicamentos, constituindo, como foi referido no texto do jornal “a cascata medicamentosa”.

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A medicação inapropriada, melhor dizendo: Medicação Potencialmente Inapropriada, refere-se à prescrição de medicamentos que não sendo contraindicados, devem, sempre que possível, ser substituídos por fármacos com a mesma ação, mas adaptados às alterações que o envelhecimento inexoravelmente provoca na nossa espécie. Como foi citado no jornal, os medicamentos são eliminados pelo rim ou destruídos pelo fígado. No envelhecimento as funções renal e hepática reduzem-se e por isso a possibilidade de ações adversas e de interações medicamentosas é muito grande.

A Medicação Potencialmente Inapropriada rege-se por critérios bem definidos. Nós estudamos e aplicamos no dia-a-dia da Consulta de Geriatria, os Critéros de Beers (americanos) e os Critérios europeus Stopp/Start (Screening Tool of Older Persons’ Potentially Inappropriate Prescriptions/ Screening Tool to Alert Doctors to the Right Treatment).

Noutro estudo do nosso grupo, verificamos que, de acordo com os Critérios de Beers 58% dos doentes idosos, à chegada ao hospital, tomavam pelo menos um medicamento potencialmente inapropriado. Aplicando os critérios do Stopp, 74% tomavam um medicamento inapropriado e pelos critérios de Start 24% não tomavam um medicamento recomendado para uma das doenças de que sofriam.

A medicação desajustada, excessiva e inapropriada é consequência das múltiplas patologias que conduzem os idosos a consultas de diferentes especialistas. A tendência é para que cada especialista receite remédios da sua especialidade. A esta realidade acresce a existência de medicamentos com a mesma composição, mas com nomes comerciais diferentes, a introdução dos medicamentos genéricos, as consultas de curta duração, a dificuldade do doente de se lembrar de todos os remédios que toma, o desconhecimento dos Critérios que citei e a falta do médico Geriatra que controle e regule toda a medicação. Tudo isto favorece a medicação excessiva desajustada e a Medicação Potencialmente Inapropriada.

No sentido de ajudar os meus alunos e colaboradores, publiquei em 2012, na revista European Geriatric Medicine um texto denominado “MEDICARE – an acronym for optimizing the prescription of drugs in geriatrics”. O referido acrónimo que em português é MEDICAR, sugere que o médico, ao tomar conhecimento dos medicamentos que o idoso está a tomar e antes de prescrever qualquer nova medicaçao, se auto interrogue seguindo o definido em cada letra do acrónimo:

É a: Mmedicação adequada? E– excessiva? Dduplicada? Existem: IInteracções ?
Ccontra-indicações? Aacções secundárias? Rreacções adversas?

Depois desta análise pode então ser prescrita a nova receita.

É um mito que o doente idoso confunde e não toma corretamente a medicação. É obrigatório entregar ao doente um “guia terapêutico”, com os nome dos medicamentos que deve tomar referenciados às horas das refeições e de deitar. Assim o idoso cumpre com cuidado a medicação.

A desprescrição é de facto fundamental para otimizar a assistência aos idosos.

Na minha experiência é mais dificil convencer o doente de que deve deixar de tomar este ou aquele remédio, do que conseguir a adesão ao esquema de tratamento proposto. Esta attitude deve-se a que alguns idosos associam, erradamente, o número de remédios que tomam à preservação da sua saúde. É comum pensarem : “quanto mais remédios tomar melhor será para o controlo das minhas doenças e incapacidades”.

É louvável que o Serviço Nacional de Saúde se preocupe com este assunto. Combater o excessivo número de remédios que os idosos tomam no nosso País é imperioso e urgente, por razões científicas, éticas e também económicas.

João Gorjão Clara