A recente tomada de posição do Ministério Público (MP) no sentido de exigir que os filhos de Artur Mesquita Guimarães, Tiago e Rafael, de Famalicão, por não frequentarem a disciplina de Cidadania e Desenvolvimento, fossem subtraídos “durante o período escolar” à autoridade do lar familiar, a fim de serem colocados à guarda da escola, deve fazer sobressaltar qualquer cidadão que preze a liberdade como condição inalienável de qualquer ser humano e como condição básica de convivência numa sociedade democrática. Segundo o MP, tal medida apresentar-se-ia “como do superior interesse dos jovens e com potencial a, definitivamente, afastar situação de perigo existencial dos mesmos”.

“Perigo existencial” para o “superior interesse dos jovens”, afirma o MP. Perante esta taxativa categorização, tão radical quanto enviesada, somos obrigados a questionar: Terão o Tiago e o Rafael sido objecto das mais aviltantes sevícias por parte dos pais, de molde a fazer perigar a existência dos filhos? Ou estará na mente do Senhor Procurador do MP, autor da tese do “perigo existencial”, o temor de que estes dois estudantes pudessem ter um desfecho idêntico ao do recente caso da menina Jéssica, ou ao de outros semelhantes, que, estes sim, o Estado não parece ter tido grande eficácia em acautelar? Ora, o testemunho público da família Guimarães mostra exactamente o contrário. Tudo indica que são uma família feliz e bem integrada, psíquica e socialmente, com convicções próprias e valores livremente assumidos, cujos filhos são alunos de excelência comprovada. Qual é então o crime cometido pela família de Famalicão, que aguarda pacificamente pelo resultado de um processo interposto em tribunal administrativo contra as disposições do Ministério da Educação, sobre o qual o MP vem agora acrescentar este inédito capítulo?

O crime parece ser muito simples: o pai pretende impedir, também junto dos tribunais, que os filhos sejam doutrinados no catecismo da “religião” do género, e demais matérias de sexualidade, com que o Estado, mediante a disciplina de Cidadania, pretende, de maneira coerciva e obrigatória, fazer sair das trevas as suas consciências, ao arrepio dos valores desta família. Dir-me-ão que é obrigação do Estado promover os valores comuns da cidadania e da tolerância. Sim, em geral, desde que tais valores sejam amplamente aceitáveis, como é, por exemplo, quando se defende que nenhuma pessoa deve ser marginalizada ou ofendida na sua dignidade por ela se assumir como pertencendo a um género hétero, homo ou de qualquer outra variante. O que não podemos admitir é que num Estado democrático se queira impor propagandisticamente o catecismo de uma ideologia de género, agora na moda, com a pretensão de ser “científica” e sob o pretexto de se estar a promover uma sociedade tolerante.

Não deixa de ser significativo que nas instruções facultadas aos professores sobre a disciplina de Cidadania se alertem os mesmos para estarem preparados para a possibilidade de alguns conteúdos entrarem em conflito com os valores dos pais dos alunos. Imaginamos que tal alerta poderia ser feito a propósito de conteúdos programáticos de disciplinas de matemática, física, filosofia, geografia, história ou mesmo de outras ciências humanas e sociais? Por isso, não colhe a pretensa analogia destas últimas disciplinas para argumentar a favor de obrigatoriedade de uma disciplina de Cidadania, que propõe, actualmente, de modo coercivo conteúdos propagandísticos de carácter ideológico.

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Ao Estado cabe ensinar, também a tolerância, mas não fazer propaganda obrigatória de qualquer catecismo ideológico! E “os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos”, como bem atesta a nossa Lei Fundamental (art. 36º), que também sublinha que “o Estado não pode programar a educação e a cultura segundo quaisquer directrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas” (art. 43º).

Em testemunho público recente na rádio, Artur Guimarães, afirmou ter até proposto às autoridades educativas, com o intuito de desbloquear o impasse, que a avaliação dos filhos em Cidadania se efectuasse mediante a realização de trabalhos sobre alguns dos conteúdos mais aceitáveis ensinados nesta disciplina, proposta essa que nos parece muito razoável e equilibrada (sobretudo, num tempo em que muitos alunos transitam de ano com negativas a matemática e a outras disciplinas basilares também para a educação da Cidadania!). Ora, tal sensata proposta não foi aceite por essas mesmas autoridades.  Verificamos, pois, que estas permanecem entrincheiradas numa atitude de braço-de-ferro, em nome de um presunto “superior desígnio” do Estado de ensinar a “tolerância”, com acentuado autoritarismo despótico e totalitário, própria de tempos bafientos e que pensávamos já estarem ultrapassados na nossa democracia. Pelos vistos, estão de regresso esses tempos em que se doutrinavam os preceitos da Mocidade Portuguesa, ou os dogmatismos próprios de ditaduras, como a franquista, a argentina, a soviética ou a coreana, aos quais já não queremos voltar.

Como acertadamente afirma António Barreto, no seu artigo do Público de 9 de Julho, “a objecção à lei desta famigerada disciplina de Cidadania é tão legítima quanto a objecção [legal] à criminalização do aborto, à proibição do suicídio assistido, … Há leis ‘democráticas’ injustas, infames e iníquas: é dever de muitos lutar contra elas”.

Senhor Ministro da Educação, foi o Senhor, ainda como Secretário de Estado, que criou esta situação que coloca o Estado num pedestal de totalitarismo autoritário. Se não quer ficar na história da educação portuguesa como o Inquisidor da propaganda de género, desbloqueie este nó górdio, por si criado, pois tem no Parlamento uma maioria do seu partido que o pode ajudar na busca de uma solução equilibrada, que garanta, nos termos constitucionais, a liberdade das famílias no seu direito de educar os seus filhos. Não transforme a educação numa “religião” do Estado, agora pautada por um péssimo catecismo.