Mais uma vez, os juízes políticos e sociais confundem as intenções das suas ações com os resultados das suas atuações. De acordo com a Dra. Ana Catarina Mendes, os estágios das Ordens Profissionais não poderão ser gratuitos e, ainda, a remuneração não poderá ser inferior a 950€.

Esta declaração leva-nos a uma das doenças crónicas do nosso sistema político: o desfasamento da realidade por parte daqueles que o compõem. Esta tomada de posição é só mais um sintoma. Se há pouco tempo o problema passava pela exigência de Mestrado em Direito para ingresso na OA, agora, o entrave vai ser, antes de mais, sequer, o estágio inicial na OA.

Inicialmente, parecerá que advogo a favor das grandes sociedades, dos escritórios que não querem pagar aos advogados estagiários e daqueles que querem impedir, dê por onde der, o ingresso de novos advogados na OA. Fundamentalmente, esta medida é um absurdo, incoerente, inexequível e uma verdadeira caixa de Pandora. Ainda que indiretamente e não intencionalmente, trata-se de uma medida corporativista que servirá para a totalização da advocacia, para a morte da advocacia em prática individual e o caminho para um monopólio/oligopólio no acesso a uma justiça para todos.

São raros os escritórios de advocacia que pagam aos seus estagiários e mais raros ainda os estágios remunerados a níveis condignos. Se é absolutamente desejável que os advogados estagiários sejam remunerados consoante o seu valor, competência e trabalho, já se terá que discordar que tal seja feito por decreto. Justifica-se, por duas razões (sendo que se poderiam enumerar outras tantas):

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1. Os patronos, em regra, não conseguirão pagar esse valor aos seus estagiários, pelo que, ao invés de se ingressar na OA mais tarde devido à necessidade de Mestrado, não se ingressará sequer porque não haverá estágios para ocupar. O estágio e posterior ingresso na Ordem não seria adiado, mas insustentavelmente afunilado.

2. Quem poderá absorver os novos advogados, os mais recentes juristas capacitados, serão apenas e só as grandes sociedades que, por sinal, quando contratam um estagiário, não raras vezes, lhes pagam valores mais elevados que os 950€. Ou seja, as pequenas sociedades e escritórios em prática individual serão incapazes de se renovar e de competir com as sociedades com poderio financeiro.

Essencialmente, não é um combate ao corporativismo, mas sim o seu favoritismo, em que se dá com uma mão, mas tira-se com a outra. Sem dúvida, o ingresso na OA estaria reservado a uma “elite”, passaria a ser indubitavelmente diminuto (que é o que muitos querem).

De referir, no entanto, que qualquer pessoa, pelo menos de boa fé, é a favor da remuneração dos estagiários e, de salientar, com uma justa e sustentável remuneração. Não obstante, não será esta a melhor solução, até porque se colocam as seguintes questões: sendo o advogado um profissional liberal, vai ganhar no estágio mais do que poderia ou conseguiria ganhar na vida profissional posterior? Passar de ganhar 950€ para ganhar menos de metade e ainda ter que pagar à CPAS?

Valoriza-se a intenção, deve-se repudiar a (putativa) solução.