A Medicina Personalizada (MP) representa uma oportunidade empolgante para melhorar o futuro dos cuidados de saúde individualizados para todos os cidadãos, sendo muito promissora para o tratamento e a prevenção de doenças. Existem grandes expectativas para o futuro, mas será que a MP e as ferramentas e abordagens que a acompanham irão mudar os cuidados de saúde e ser amplamente implementadas para benefício da sociedade e dos seus cidadãos? Serão os cientistas, inovadores, prestadores de cuidados de saúde e outros capazes de fornecer o medicamento mais adequado, na dose certa, para a pessoa certa, no momento certo, a um custo razoável? Será o setor da saúde capaz de encontrar os incentivos e criar modelos financeiros adequados para implementar a MP na prática clínica diária? Estas são algumas das questões que requerem atenção imediata e uma ação coordenada para atingir o objetivo da implementação abrangente da MP.

Basicamente a MP é uma nova fronteira nos cuidados de saúde que se baseia na constituição genética única de cada pessoa. Representa uma excelente oportunidade para melhorar o futuro dos cuidados de saúde individualizados. A farmacogenómica, como parte principal da MP, visa otimizar e criar uma abordagem de tratamento mais direcionada com base nas variações genéticas da resposta aos medicamentos. Prevê-se que os futuros tratamentos sejam baseados em algoritmos, em vez de baseados em provas, que terão em conta os fatores genéticos, transcriptómicos, proteómicos, epigenéticos e de estilo de vida de um paciente, resultando numa medicação individualizada.

Nos últimos anos, com o aumento do conhecimento da genómica e da epigenómica e dos biomarcadores, tem-se assistido a um florescimento de artigos sobre as aplicações da MP em diferentes áreas da medicina, especialmente em oncologia e, mais recentemente, em doenças diferentes e raras. A utilização de grandes volumes de dados e de novas tecnologias, incluindo a utilização da inteligência artificial, exige que sejam considerados muitos aspetos éticos e de equidade. O Consórcio Internacional para a MP (ICPerMed), através de um inquérito e de uma discussão ativa com peritos europeus e internacionais em áreas das ciências médicas, definiu em 2019 uma visão para a implementação da utilização da MP em 2030, a fim de aumentar a eficácia, o valor económico e o acesso equitativo para todos os cidadãos. A descoberta de novas características moleculares e o desenvolvimento de novos testes de diagnóstico, que permitem uma redefinição mais detalhada das patologias, bem como a identificação de subgrupos de pacientes que respondem bem a uma terapia, têm orientado para cenários importantes para a medicina do futuro.

O documento do ICPerMed, “Challenges, Opportunities, and Facilitators in Implementing Personalised Medicine”, apresenta um roteiro para a integração da MP nos cuidados de saúde. As suas recomendações oferecem estratégias para ultrapassar as barreiras existentes e aproveitar o potencial da MP para melhorar os resultados na saúde. O sucesso deste empreendimento depende de esforços de colaboração, pensamento inovador e um compromisso firme com princípios éticos e objetivos comuns, mas também da disponibilidade de investimentos sustentáveis em investigação, inovação e infraestruturas de cuidados de saúde. À medida que avançamos, é imperativo que todas as partes interessadas, incluindo profissionais de saúde, investigadores, decisores políticos e pacientes, participem ativamente nesta jornada transformadora. Ao fazê-lo, podemos libertar todo o potencial da MP, tornando-a uma pedra angular dos cuidados de saúde modernos que é acessível, eficiente, equitativa e adaptada às necessidades individuais dos pacientes e de todos os cidadãos. Esta mudança de paradigma, embora desafiante, promete um futuro em que os cuidados de saúde são mais precisos, preditivos e centrados no paciente, conduzindo, em última análise, a melhores resultados em termos de saúde e qualidade de vida para todos.

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MP através de Inteligência Artificial (IA)

A convergência da IA e da MP promete revolucionar os cuidados de saúde. A IA utiliza computação e inferência sofisticadas para gerar conhecimentos, permite que o sistema raciocine e aprenda e capacite o clínico para a tomada de decisões através de uma inteligência aumentada. A literatura recente sugere que a investigação translacional que explora esta convergência ajudará a resolver os desafios mais difíceis que se colocam à MP, especialmente aqueles em que os determinantes não genómicos e genómicos, combinados com informações sobre os sintomas, a história clínica e os estilos de vida dos pacientes, facilitarão o diagnóstico e o prognóstico personalizados.

Os três princípios fundamentais para uma adoção bem-sucedida da IA nos cuidados de saúde incluem: os dados e a segurança, a análise e os conhecimentos e a partilha de competências. Dados e segurança equivalem a total transparência e confiança na forma como os sistemas de IA são treinados e nos dados e conhecimentos utilizados para os treinar. Uma vez que os seres humanos e os sistemas de IA trabalham cada vez mais em conjunto, é essencial que confiemos nos resultados destes sistemas. Por exemplo, a Doença de Parkinson na sua vertente de degenerescência dopaminérgica pré-sináptica poderá ter uma fase de latência dos sintomas até 20 anos. Algoritmos de IA poderão auxiliar na predição da degenerescência dopaminérgica (mesmo que não haja sintomas) com base, por exemplo, em imagens provenientes de Câmara Gama (SPECT Images). Tal significa que mais cedo se poderá antecipar e prever a possibilidade da patologia e pôr em marcha a decisão clínica para uma possível intervenção precoce. O modelo de predição deverá ser alvo de um intenso treino de aprendizagem, deverá ser representativo da população com e sem patologia, tal como deverá ser robusto (com uma boa performance) para que o output final seja fiável.

Uma questão que a MP pretende resolver é o facto de as pessoas reagirem de forma diferente aos medicamentos. Por exemplo, a codeína é um analgésico muito utilizado, receitado e vendido a milhões de pessoas em todo o mundo todos os anos. Devido a variações genéticas, as doses diárias normais não funcionam de todo em cerca de 7-10% da população caucasiana e 1-3% noutros grupos étnicos.

A utilização da IA para personalizar a terapia pode também ser mais rentável para sistemas de saúde sobrecarregados. Embora a sequenciação genómica esteja a ficar mais barata, o rastreio de uma doença implica a acumulação dos genomas de muitos indivíduos saudáveis para beneficiar uma pequena minoria – isto é dispendioso!

Tratamento guiado por genótipo

Talvez o impacto mais bem estudado da MP nos cuidados de saúde atualmente seja o tratamento guiado por genótipo (composição genética de um indivíduo, ou seja, o conjunto de todos os genes daquele organismo). O Clinical Pharmacogenetics Implementation Consortium publicou diretrizes sobre medicamentos baseados no genótipo para ajudar os médicos a otimizar as terapias medicamentosas com os resultados dos testes genéticos. O perfil genómico dos tumores pode informar os planos de terapia orientada para doentes com cancro da mama ou do pulmão. Por exemplo, já foi utilizada informação sobre o genótipo como orientação para ajudar a determinar a dose correta de varfarina (fármaco do grupo dos anticoagulantes).

A tendência para permitir a utilização da medicina através da criação de repositórios de dados não se restringe aos Estados Unidos; exemplos de Biobancos em muitos países, como o Reino Unido, o Japão, e a Australian Genomics Health Alliance demonstram o poder da mudança de atitudes em relação à MP a uma escala global.

A resposta da atriz Angelina Jolie à sua herança do gene BRCA ilustra o potencial impacto de informações genómicas mais avançadas sobre o risco de doença e as opções de prevenção. Este caso não é novo; o caso de Woodie Guthrie e da doença de Huntington revelou um dilema semelhante para os cuidados de saúde. Embora a ética dos testes genéticos sem uma cura clara continue a ser debatida, a ampla disponibilidade de informação genética oferecida pela sequenciação de nova geração e pelos testes diretos ao consumidor torna a prevenção e a gestão personalizadas de doenças graves uma realidade.

Sabe-se que a genética não será a única e exclusiva causa predisponente de patologias e que não exclui o surgimento de cancro ou doença de Huntington (como referido acima); poderá auxiliar a eliminar uma das possíveis causas.

É provável que a sequenciação genómica, por exemplo, se torne prática corrente em todo o Reino Unido para todas as crianças a quem é diagnosticado cancro, afirmou Matthew Murray, oncologista pediátrico e professor na Universidade de Cambridge, em Inglaterra, no East Genomics Laboratory Hub. Ainda afirma que: “Prevemos que a oferta seja mais alargada nos próximos anos, para que o maior número possível de crianças possa beneficiar”.

Vitarello e muitos dos cientistas que trabalham nesta área veem um mundo em que os médicos acabarão por ter uma caixa de ferramentas com diferentes tratamentos que podem ser programados para um paciente individual de acordo com a sua constituição genética específica.

Perspetivas futuras

Conforme já referido, na área da oncologia, espera-se uma maior promoção da MP com recurso a painéis de diagnóstico genómico. Segundo um artigo publicado em 2022 no Journal of Personalized Medicine com estes diagnósticos, existem ainda cerca de 10-20% de doentes aplicáveis para seleção de fármacos terapêuticos e participação em ensaios clínicos em curso, com benefício clínico para cerca de metade destes doentes. Prevê-se que os ensaios clínicos possam fornecer rapidamente aos doentes os medicamentos que se prevê serem mais eficazes, aumentando assim a eficácia do tratamento. Isto também reduzirá o custo dos cuidados médicos e o ónus do tratamento para o doente. No entanto, existem poucos dados que demonstrem claramente a melhoria da qualidade de vida dos doentes na prática clínica atual. Aguarda-se pela continuação da investigação e pelo desenvolvimento de novos agentes terapêuticos que correspondam aos progressos da análise genética e do diagnóstico. Nos últimos anos, foram também comunicadas muitas tentativas de diagnóstico precoce utilizando mRNA extraído de exossomas do sangue periférico, tendo sido feitos esforços para a sua aplicação prática.

Por exemplo, na artrite reumatoide e na psoríase, as causas das doenças são ainda desconhecidas e os principais fármacos terapêuticos são fármacos modificadores da doença que têm como objetivo melhorar os sintomas ou evitar a deterioração. Para ambas as doenças, aguarda-se uma maior elucidação do complexo envolvimento de antecedentes genéticos, fatores ambientais e do sistema imunitário na patogénese das doenças. No que diz respeito à elucidação das doenças, às classificações pormenorizadas e ao estudo e desenvolvimento de novos fármacos inovadores, são desejados futuros avanços na análise genética, na análise exaustiva da expressão genética e da expressão proteica, na análise epigenética, na análise genómica do microbioma intestinal e na investigação e desenvolvimento de novos biomarcadores, como o mRNA. Espera-se que isto conduza à investigação de novos medicamentos, ao desenvolvimento de novos conceitos e de marcadores de diagnóstico para medicamentos terapêuticos. No futuro, a recolha e o armazenamento de amostras do Biobanco serão também cruciais para o estudo e o desenvolvimento de marcadores de diagnóstico e devem ser considerados como uma ferramenta para explorar marcadores estratificados por doentes e para elucidar os mecanismos de ação da doença, nomeadamente através de investigação translacional e de análises post-hoc exaustivas. Além disso, para os métodos de diagnóstico que envolvem novas tecnologias, é necessário considerar a redução dos custos de diagnóstico para a sua utilização generalizada. Os custos de diagnóstico aceitáveis dependem do custo e da relação custo-eficácia do tratamento da doença-alvo. Por exemplo, foi referido que o custo de um teste para o diagnóstico precoce da artrite reumatoide não deveria exceder 200 a 300 euros.

Por outro lado, há uma série de doenças, como a doença de Alzheimer, que são difíceis de tratar mesmo que sejam diagnosticadas depois de a doença ter progredido até um certo grau. Por conseguinte, é necessário considerar o diagnóstico precoce (tratamento) ou a medicina preventiva (predição e previsão) como uma das formas de encarar a MP. O conceito de cuidados de saúde personalizados pode ser considerado como uma alternativa. É também importante promover a medicina preventiva sem medicamentos e o diagnóstico precoce.

Num estudo de Patrinos et al, foram colocadas questões ao ChatGPT sobre o futuro da MP e da farmacogenómica. Apesar de ainda ter várias limitações que precisam de ser resolvidas, o ChatGPT previu que ambas são uma abordagem promissora com um futuro brilhante que promete melhorar os resultados dos pacientes e transformar o campo da medicina.

A MP integrada nos cuidados de saúde, tem o potencial de produzir diagnósticos mais precisos, prever o risco de doença antes da ocorrência de sintomas e conceber planos de tratamento personalizados que maximizem a segurança e a eficiência. Waiting for it!