O que normalmente se discute na opinião pública é o “futuro do governo” e a atenção está sempre concentrada nos partidos, nas eleições, nas sondagens, nos líderes políticos, nos ministros, nas remodelações, nas medidas polémicas, nas conjunturas e contingências que afectam a governação. Pouco ou nada se tem discutido em Portugal na perspectiva do “governo do futuro”, ou seja, sobre o que pode ser feito para inovar e modernizar o funcionamento governativo, para melhor responder às necessidades dos cidadãos e aos desafios que estão para vir.

Na realidade, os governos estão a ficar anacrónicos nesta época de inovação, em que tudo se reinventa para ser mais eficiente. Parecem cassetes na era da música em formato digital. Ou chaimites do tempo da revolução a circular na Avenida da Liberdade. Os governos nacionais pouco têm mudado no seu funcionamento ao longo de quarenta anos, e as limitações são cada vez mais óbvias.

Se olharmos com distanciamento para governação em Portugal, e se esquecermos as conjunturais crises políticas e eleitorais, conseguimos encontrar um padrão de problemas, que nos deveriam levar a questionar o papel dos governos e as suas capacidades para as enfrentarem. Independentemente dos partidos no poder. As evidências das dificuldades governativas estão por todo o lado e assolam sucessivas legislaturas. Vejamos alguns exemplos:

  • Dificuldades em gerir processos que nascem da transformação tecnológica e que provocam disrupções em sectores tradicionais. A regulação é uma dor de cabeça para os governos. Vejam-se os “drones” no espaço aéreo, a “Uber” na mobilidade, o “Airbnb” e o seu impacto no alojamento local. E futuro vai nesta direcção da proliferação tecnológica, com novos conflitos a emergirem.
  • Dificuldades em gerir crises, catástrofes e imprevistos de maiores dimensões. Veja-se Pedrógão Grandes, Tancos e tantas outras situações onde prolifera o caos institucional e informativo, faltando a capacidade de agir atempadamente e de forma sistémica. São demasiadas as vezes em que os governos seguem e gerem as crises na comunicação social, não nos ministérios ou no terreno.
  • Dificuldades em lidar com problemas estruturais e dinâmicas de longo prazo, que implicam acção articulada entre ministérios, em várias legislaturas. Vejam as questões demográficas, o ordenamento do território, a gestão da floresta que é um autêntico desastre ao longo das décadas.
  • Dificuldades em actuar perante agentes de dimensão global que beneficiam do mercado nacional. Veja a incapacidade de taxar adequadamente grandes empresas tecnológicas como o Facebook, a Google e tantas outras. Veja-se o caso da Volkswagen e o problema das emissões fraudulentas de gases poluentes, sem que a nível nacional se conheçam penalizações, passados dois anos sobre o caso. Veja-se o caso das posições abusivas de grandes empresas nas áreas da energia ou das telecomunicações, sendo tantas vezes evidente a incapacidade governativa em fazer vingar as suas posições.
  • Dificuldades em antecipar problemas em sectores estratégicos, reagindo tardiamente e face a situações de emergências, sendo de relembrar as várias crises e colapsos no sistema bancário, como foram os casos BPN, BPP, BES, BANIF, deixando de fora o caso da CGD e a dificuldade governativa em “apenas” conseguir nomear a sua liderança.
  • Dificuldades de afirmação e de soberania perante instituições internacionais, casos da Comissão Europeia, do FMI nos tempos da Troika, do BCE, e até perante países e organismos cuja acção (ou palavras) por vezes roça a ingerência nos assuntos nacionais. Lembram-se do Presidente do Eurogrupo a apontar os Portugueses como amigos da pândega? O governo cá falou grosso, lá fez-lhe festinhas.
  • Dificuldades em concretizar projectos estruturantes, que se discutem durante décadas, com ciclos de acção e retrocesso. Veja-se o novo aeroporto de Lisboa, as Linhas de Alta Velocidade, anteriormente Alqueva. Só a fazer estradas é que nos safamos. Portanto nem vale a pena falar em projectos inovadores, como o Hyperloop em Portugal, que o rótulo de megalomania é imediatamente apontado à testa de algum governante mais ousado.
  • Dificuldades em discutir dilemas do futuro. Caso do mercado de trabalho e a tendência de maior automatização ligada aos avanços em inteligência artificial, com potenciais consequências estruturais no desemprego. A abordagem tem sido “toca e foge”. Faz-se uma conferência sobre o tema e já está.

Todas estas dificuldades mostram que há um problema de sistema, não apenas de governantes, personalidades ou partidos. Governar é difícil e complexo. Tudo é cada vez mais rápido, incerto e imediato. Mas o governo enquanto instituição, enquanto máquina, enquanto estrutura, parece não ser capaz de “ganhar jogos”. É como estar numa corrida de Fórmula Um com um Fiat Uno, ou com uma chaimite. Os governos parecem não dar conta do recado e as suas capacidades estão limitadas. Ou desadequadas. Acreditar que não há nada a fazer e que a rotação dos protagonistas é suficiente para reciclar a governação, então estamos condenados a não conseguir contrariar estas e outras dificuldades.

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Mas este não é apenas um problema nacional, ainda que em Portugal se possam encontrar verdadeiros “fósseis governativos”. Por exemplo, ter dezasseis edifícios ministeriais, para dezoito ministérios, espalhados por todas as freguesias de Lisboa, dava para uma tour de dia interior em tuk-tuk, mostrando aos turistas os verdadeiros palácios onde os nossos governantes (ainda) tomam conta da nação.

Internacionalmente, ao longo das últimas décadas, tem-se assistido a uma tendência de “erosão da governação”, que se reflecte em perda de poder político, redução da soberania e dificuldades em gerir o aparelho de Estado em várias vertentes. A globalização e o processo de integração europeia obrigam cada vez mais a agir num quadro de interdependência e de responsabilidades partilhadas, com legislação comum. Por todo o mundo há países e instituições (como o Fórum Económico Mundial), que estão a fazer esta reflexão sobre como governar face aos desafios do futuro. Quando tudo está em mudança na sociedade e quando os governos estão constantemente a alterar as regras do jogo para as áreas que tutelam, não deixa de ser um paradoxo que, em Portugal, pouco ou nada inovem de estrutural no seu funcionamento interno. Casa de ferreiro, espeto de pau!

No livro “Governar melhor”, recentemente editado, foram identificados e quantificados diversos problemas que se descreveram na lógica do anacronismo governativo. Os ministérios gastam demasiados recursos, têm edifícios dispersos por toda a cidade de Lisboa, as suas equipas e serviços funcionam de forma pouco organizada e coerente. É portanto necessário inovar e modernizar o funcionamento governativo, seja em termos organização, tecnologias, processos de trabalho, edifícios ministeriais, composição das equipas, recrutamento e capacitação, para além de outras dimensões que têm sido ignoradas e que tornam os nossos governos mais fracos na sua capacidade de acção. As propostas que foram identificadas no livro, para além de serem um avanço na modernização governativa, poderiam traduzir-se numa significativa poupança anual, a rondar os 150 milhões de Euros. Há muito para fazer desde que haja visão e vontade política. Na verdade, a reforma do Estado devia começar pela reforma do Governo. Para tal é necessário mudar de paradigma, deixar de olhar apenas para o “futuro dos governantes” e discutir mais o que deve ser o “governo do futuro”, nesta era de inovação e aceleração tecnológica.

Especialista em planeamento, prospectiva e desenvolvimento sustentável, editou recentemente “Governar Melhor”