Juntos, o José e o António fizeram várias conquistas. Primeiro, o José foi nomeado administrador do prédio onde viviam, em São Bento, e o António, seu adjunto para as questões legais do edifício. Estiveram nestas funções durante seis anos, em que juntos geriram o edifício, tendo realizado inúmeras obras, bastante apreciadas pela maioria dos condóminos, apesar do vasto endividamento que as mesmas criaram.

Infelizmente, na recta final desta administração, instalou-se uma crise no prédio. Os bancos deixaram de emprestar dinheiro ao condomínio e alguns dos condóminos estavam também a atravessar dificuldades financeiras. Aquela que tinha sido uma meia dúzia de anos aparentemente próspera, veio a revelar-se um descalabro. Ainda se aumentaram as quotas aos condóminos, ainda se fizeram uns planos de contenção de custos no edifício, no entanto, o buraco era tão grande, que a administração acabou por ter que pedir ajuda financeira aos outros condomínios próximos.

Os condóminos descontentes não aprovaram o orçamento e convocaram-se eleições! O casal do quinto esquerdo, o Pedro e o Paulo, vendo a situação difícil do condomínio decidiram candidatar-se e ganharam as eleições, tendo sido nomeados administradores.

Quando o Pedro e o Paulo foram verificar a fundo as contas do condomínio, descobriram ainda mais problemas dos que já eram visíveis. O valor das quotas cobradas não era, sequer, próximo da soma de todos os custos do edifício.

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Os condomínios vizinhos que concordaram em ajudar financeiramente, nomearam uns representantes e impuseram um conjunto de medidas a implementar como contrapartida do empréstimo.

Nesta altura, o José e o António já não eram tão bem vistos no condomínio. Esta situação teve um aparente impacto muito negativo no José, que decidiu ausentar-se para casa de um amigo e fazer um retiro espiritual para voltar a equilibrar os chacras. O António ficou na mesma a residir no local, apesar de assumir um papel muito discreto no edifício. As pessoas até pensaram que se tinham separado, mas na realidade nunca deixaram o contacto.

O Pedro e o Paulo, coitados, tiveram que limpar tudo o que de mal fora feito! Tiveram que despedir a porteira, aumentar as quotas do condomínio, taxar a utilização dos elevadores, vender os espaços comerciais, e isto tudo com muita gente no prédio desempregada e sem possibilidade de pagar as quotas mensais, tendo os restantes condóminos que suportar uma quota extra para compensar esta falta de pagamento de alguns.

Foram quatro anos muito duros para todos os condóminos, mas reequilibraram-se a contas do condomínio e, apesar do alto endividamento, foi possível reduzir os custos até ao ponto que poderiam ser pagos com as receitas provenientes das quotas mensais.

Pelo meio, e após análise profunda das contas, verificou-se que durante a administração do José e do António, existiram muitos negócios com amigos deles e pediu-se à vizinha do 3º Direito, a D. Maria José, que investigasse o porquê destas situações!

Foram então marcadas novas eleições e, surpreendentemente, o António voltou a candidatar-se. O Paulo e o Pedro também se recandidataram, assim como o Sr. Sousa do 8º Esquerdo e a menina Catarina do 8º Frente, conhecidos do António e do José que moravam no 8º Direito.

Conhecidos os resultados das eleições, ganhou novamente o Paulo e o Pedro. No entanto, não foram eles que foram nomeados administradores do condomínio. O António falou com o Sr. Sousa e a Menina Catarina e disseram que se juntariam para governar o condomínio, pois juntos tinham a maioria dos votos.

E assim foi. Nesta altura, já vários condóminos tinham voltado a trabalhar, o valor das quotas tinha estabilizado, conseguiu-se alugar a casa da porteira e um operador de comunicações instalou uma antena no telhado gerando mais uma fonte de rendimento para o condomínio!

O António, o Sr. Sousa e a Catarina, ano após ano, mantiveram as quotas elevadas e como a dívida à banca e aos condomínios vizinhos ia sendo paga, conseguiram contrair mais dívida e voltar a adquirir uma das lojas vendidas. Nem todos concordaram, mas conseguiram convencer a maioria dos condóminos que, apesar de a loja dar mais despesa do que receita, seria uma boa compra, pois era importante para atrair pessoas ao condomínio.

Entretanto, fruto das investigações da vizinha do 3º Direito, a D. Maria José, conclui-se que o José tinha recebido vários valores do construtor que realizou quase todas as obras no edifício, em contrapartida de o escolher para fazer estas intervenções apesar dos valores mais elevados. Assim, os condóminos decidiram colocar o José em tribunal.

O António até afixou um comunicado no elevador, a dizer que apesar de casado com o José, desconhecia todo esta situação! Que não achava estranho o José ter muito dinheiro, pois ele dizia que era a mãe dele que lhe dava dinheiro sempre que ele precisava. Explicou também que para além disso, o José já não vivia com ele na mesma casa e por isso não podiam dizer que um e o outro tinham ainda uma relação.

Passados quatro anos, fizeram-se novas eleições e o António, o Sr. Sousa e a Menina Catarina voltaram a ficar à frente do condomínio, prova de que os condóminos, apesar da fraca limpeza dos espaços comuns, do portão da garagem andar sempre avariado e da eternidade que demorava a mudar lâmpadas no prédio, estavam contentes com o que tinham.

Entretanto, mesmo antes das eleições intermédias para nomear os representantes de cada andar, o tribunal vem dizer que ficou provado que o José era culpado de corrupção por via dos valores que recebera do construtor, em troca da sua contratação para efetuar as obras no edifício e apesar de cobrar valores superiores ao que seria normal.

Esta notícia caiu como uma bomba no condomínio, tendo ficado toda gente a olhar para o António com um ar desconfiado, assim como para todos os representantes dos andares que estavam ligados ao António!

Mas o António já tinha provado não ser parvo nenhum. Ligou de imediato ao José e disse-lhe que precisava que ele sofresse mais um bocadinho, de modo a manter o controlo do condomínio. Foi então que combinaram fingir uma zanga pública para que os condóminos pensassem que eles estavam separados e desentendidos e assim não associarem o José ao António, situação que podia comprometer a eleição para os representantes dos andares!

Combinaram a um sábado à tarde e começaram uma gritaria nas escadas, trocando acusações mútuas durante vários minutos, garantindo assim que todos os ouviam!

E é impressionante! Este estratagema funcionou… Ainda hoje me cruzei com dois vizinhos na garagem e outro no elevador que comentaram que sabiam que eles estavam afastados, mas nunca sonharam que estivessem de costas viradas! Até mostraram pena do António, coitado, que foi tão bem enganado pelo José…

Nenhum achou estranho nada do que se passou, nem considerou que alguém que se deixa enganar assim, não deveria ser bom para gerir o condomínio!

E assim foi, e foram todos pobres para sempre.