Um estudo recente, realizado pela Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares (APAH), em parceria com outras entidades, e que envolveu a quase totalidade dos hospitais públicos, revelou que em março deste ano, estavam internadas, “de forma inapropriada”, no SNS, 1675 pessoas, representando um aumento de 60% face ao mesmo mês do ano anterior.
A APAH avança ainda, em comunicado, que “Os internamentos inapropriados nas unidades hospitalares do SNS aumentaram este ano, assim como os custos associados a estes casos, que se explicam por atrasos, quer na admissão para a Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI), como na admissão para Estruturas Residenciais para Pessoas Idosas (ERPI)”.
Os dados da OCDE mostram que Portugal apresenta uma das maiores taxas de envelhecimento da Europa, onde aqueles com mais de 65 anos são já 22% da população, estimando as projecções que em 2050 o grupo com mais de 80 anos represente cerca de 12% do total da população. Aumentámos a esperança de vida ao nascer, mas infelizmente não garantimos a devida qualidade de vida após os 65 anos de idade.
O atual SNS olha para os nossos idosos como “o problema”: já não são úteis, não têm espaço nos hospitais (planeados para responder a casos agudos mas sendo ainda a resposta dominante no sistema de saúde) e não cabem nas vagas insuficientes da RNCCI, na Rede de Cuidados Paliativos ou das ERPI existentes. De acordo com a Carta Social, o Estado português não responde às necessidades de mais de 80% dos seus idosos.
Não adianta continuar no “jogo do empurra”, com o já estafado discurso de que “estamos a trabalhar” nas soluções, sem que a concretização surja. A longevidade, a pluripatologia e a doença crónica são factuais, constituem uma inevitabilidade e há muito que alertamos para que o sistema de saúde e social se deveriam preparar para adequar respostas aos milhares de cidadãos que felizmente passaram a viver mais tempo, inevitavelmente com problemas de saúde.
Se à falta de respostas de saúde e sociais, ao seu subfinanciamento por parte do estado, associarmos o aumento de custo de vida que os portugueses estão a suportar, em resultado da inflação e do peso crescente dos impostos, verificar-se-á a cada vez menor possibilidade de as famílias assumirem, convenientemente, os encargos que resultam de ter um idoso dependente a seu cargo, um idoso a quem querem oferecer dignidade e cuidados de qualidade. Assim se enquadram as infelizes e frequentes notícias sobre lares ilegais, onde concidadãos nossos vivem sem o mínimos de condições.
Talvez mais importante será perceber-se (e assumir-se!) que estas pessoas, não estando eventualmente a precisar dos cuidados de saúde altamente diferenciados dos hospitais de agudos, também não estão verdadeiramente saudáveis nem independentes. Dizer que muitos idosos “só carecem” de cuidados sociais é ignorar profundamente a realidade: apesar de não se justificar o seu internamento em hospitais de agudos, essas pessoas carecem de continuidade de cuidados clínicos, de uma natureza distinta e em diferentes tipologias de serviços. Essas respostas, sejam nas várias Redes da Saúde (em internamento ou no domicilio), sejam nas ERPI’s ou outros, têm necessariamente que ter uma vertente clínica efectiva (apoio médico e de enfermagem). Infelizmente, tardam em chegar, particularmente na comunidade.
Aquilo a que assistimos é, para além do prejuízo das pessoas idosas, à exaustão de milhares de cuidadores, que aqui homenageamos, eles próprios a carecer igualmente de orientação técnica e apoio.
O Estado continua a falhar a estes milhares de cidadãos e às suas famílias. A bem da Humanização dos serviços de Saúde e de Apoio Social, a bem da sua eficiência, há que desenhar políticas publicas robustas nesta matéria. Vai sendo premente e urgente aumentar, numa articulação entre a Saúde e a Segurança Social, as respostas qualificadas e inovadoras (como o cohousing) que estes idosos (pessoas!) merecem e precisam. Há que reforçar a componente de Saúde nestas estruturas, dotá-las necessariamente de recursos humanos suficientes, qualificados e devidamente remunerados. Há que assegurar a integração estratégica e funcional das Redes de Cuidados de Saúde Primários (fundamentais no apoio domiciliário e na comunidade), Hospitalares, de Cuidados Continuados e de Cuidados Paliativos, com a Rede de Estruturas Residenciais para Pessoas Idosas, sem esquecer o reforço dos apoios efectivos ao “cuidador informal”, que se mantêm claramente insuficientes e com baixa cobertura das necessidades.
Preocupamo-nos com as Pessoas, todas elas, e com a eficencia e humanização dos serviços de saúde, os do Estado e de outros sectores. Há muito que alertámos para esta realidade e que propomos soluções.
Não “descartamos” ninguém. Os idosos são Pessoas, são membros de pleno direito da nossa sociedade, são parte do nosso património e não podem ser cidadãos de segunda. Representam também uma oportunidade para que o SNS e o sistema de saúde em geral se reinvente, se modernize e humanize, e seja parte activa de uma Sociedade mais compassiva e que cuida. É o que desejamos. Isto sim, seria concretizar um avanço civilizacional.
(este texto não segue as regras do novo acordo ortográfico)