“Será que faz sentido que duas empresas que reportam lucros semelhantes, mas cuja atividade tem um impacto ambiental, social e de governação, muito diferentes, apresentem efetivamente o mesmo lucro?”.
Milton Friedman, Prémio Nobel de Economia em 1976, diria que a única responsabilidade da empresa é para com os seus acionistas, e que esta não tem qualquer obrigação para com a sociedade. Ao longo dos anos, esta doutrina tem sido alvo de profundas críticas, quer do ponto de vista social, quer moral, quer económico, quer financeiro.
Hoje em dia, cada vez mais empresas reconhecem as suas responsabilidades não só para com os acionistas, mas também para com outros stakeholders, como empregados, fornecedores, clientes, sociedade e gerações futuras. O tema de Responsible Business, assenta em três pilares: ambiental, social e de governação, e está, cada vez mais, nas agendas das empresas, com impacto na sua estratégia, na conceção e produção dos seus produtos, matérias-primas utilizadas, consumos energéticos, cadeias de abastecimento e subcontratação, na área de recursos humanos, nomeadamente saúde e segurança no trabalho, progressão na carreira, formação e remuneração, e também na área financeira. Estas alterações, não se refletirão unicamente nas grandes empresas pois, através da cadeia de abastecimento, estender-se-ão inevitavelmente aos seus fornecedores, incluindo PMEs. Todos estes ajustamentos são boas notícias para o mundo.
Interessante é, sem dúvida, analisar a evolução dos relatórios anuais das grandes empresas internacionais. Todas elas têm apresentado documentos cada vez mais elaborados e profundos, numa tentativa de prestar informação sobre sustentabilidade. A título de exemplo, a Inditex, a maior empresa cotada na bolsa espanhola e detentora de marcas como Zara e Massimo Dutti, entre outras, apresenta um relatório anual com 600 páginas, 120 das quais são sobre documentos financeiros, sendo as restantes 480 sobretudo sobre sustentabilidade.
Na área financeira, os investidores e os reguladores têm vindo a considerar, de forma cada vez mais clara, que a resposta de Friedman à questão acima colocada não é adequada.
Os grandes gestores de ativos financeiros, como a Blackrock, acreditam que o futuro de empresas pouco sustentáveis é, a médio e longo prazo, muito limitado, pelo que têm progressivamente desinvestido deste tipo de aplicações ou exigindo-lhes fortes alterações. Também os bancos, e pelas mesmas razões, estão cada vez mais atentos a este tema admitindo-se já uma forte componente de avaliação de sustentabilidade para concessão de crédito. Consequentemente, assistimos à valorização das ações de empresas com maior sustentabilidade e a taxas de juro mais baixas para essas empresas.
Atualmente, há um enorme ceticismo por parte dos investidores relativamente à informação de sustentabilidade prestada: há informação incorreta, há informação relevante que está omissa nos relatórios, há empresas que apresentam algumas medidas mas, na realidade, superficiais e tendo com único objetivo satisfazer esta tendência do mercado, mas sem um empenho profundo, ou seja, praticando o chamado Greenwashing. Por outro lado, os dados publicados pelas empresas são dificilmente comparáveis, quer pelas variáveis utilizadas quer pelos critérios escolhidos, e não são extensivamente auditados, levantando sérias dificuldades aos investidores e credores na tomada de decisão.
A União Europeia e o mundo académico têm vindo a debruçar-se profundamente sobre o tema. Atualmente, através da Non-Financial Reporting Directive (NFRD), a UE obriga as grandes empresas a divulgarem informação, a qual ainda padece dos problemas acima referidos. Aguarda-se a divulgação de uma nova diretiva, Corporate Sustainability Reporting Directive (CSRD), a ser adotada já em outubro de 2022. O maior grau de detalhe e standardização de critérios de reporte, o alargamento do âmbito de aplicação da norma, a obrigatoriedade de realização de auditorias à informação apresentada sobre sustentabilidade e a digitalização desta informação numa plataforma específica serão determinantes para garantir que duas empresas que apresentam resultados semelhantes, mas performances ambiental, social e de governação diversa, não “iludam” o mercado.
Esperamos que as novas regras, mas também a atenção dos consumidores e da comunicação social, permitam, a prazo, a apresentação de informação de qualidade e onde as hipóteses de sobrevivência de esquemas enganadores seja mais reduzida.
As cimeiras, de Roma e de Glasgow, irão, sem dúvida, fortalecer a estas dinâmicas.
Boas notícias no mundo das finanças.