“Vemos nas tristes notícias destes dias, nos terríveis relatos de violência contra as mulheres, como é urgente educar o respeito e o cuidado: formar homens capazes de relações saudáveis”
Papa Francisco ao receber uma delegação de jornalistas católicos, Nov2023.

Foi pela Resolução 52/134 da ONU que o Dia Internacional para a Eliminação da Violência Contra as Mulheres foi instituído. Trata-se de um dia que deve servir para lembrar que a violência sobre as mulheres não devia acontecer. Mas acontece.

Em Portugal, até à presente data foram assassinadas 25 mulheres. Infelizmente esse numero é elevado. Bastava uma para ser demais.

Mas quantas sobrevivem e ninguém nada sabe. Registaram-se 8443 ocorrências participadas à PSP ou à GNR. Mas quantas ficaram por participar. Por vergonha ou por entenderem que é de uma normalidade que sempre conheceram.

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25 mulheres morreram. Mas quantas não morrem diariamente um pouco.

A violência física mata. A violência psicológica vai matando. Ambas isolam a vitima daqueles que a podem proteger.

A violência física mata. Faz chorar. Deixa nódoas negras. Mas um dia acaba, ou com a morte da vitima ou com a pisão do agressor.

A violência psicológica vai matando. Faz o sorriso desaparecer. Deixa tristeza no olhar. Mas um dia também acaba, quando a mulher diz basta ou quando quer partir para recuperar o sorriso e o brilho no olhar de que se esqueceu.

Quantas mulheres são humilhadas, insultadas por maridos desconfiados ou companheiros ciumentos?

Quantas mulheres são privadas de terem a sua privacidade, sendo controladas em todos os passos que dão por maridos inseguros ou companheiros possessivos?

Quantas mulheres abdicam da sua liberdade, em estar com amigas e familiares porque os respectivos maridos acham que as suas companhias são ameaças à fidelidade conjugal, ou os seus companheiros entendem que as suas companhias são um entrave à felicidade do casal?

Quantas mulheres são manipuladas no que fazem ou no que querem fazer por maridos que se julgam donos ou companheiros que se consideram seres superiores?

Quantas mulheres com filhos se calam e “fingem” que tudo está bem, a bem de uma aparência familiar que só é mesmo isso…aparência.

Quantas mulheres aceitam esta normalidade porque acreditam que aquilo que têm é suficiente para aquilo que nunca sentiram.

Quantas mulheres vivem em casamentos que acabaram sem saberem, ou relações que já não se suportam, simplesmente porque não têm força para mudar, ou medo da própria mudança.

Quantas mulheres já se apaixonaram pelo amigo, pelo colega ou por outrem, mas que estando aprisionadas a uma história, têm receio de um final diferente daquele que sempre conheceram.

O problema é de facto destas mulheres. Elas é que o sofrem todos os dias na pele.

Mas a causa são os maridos ou companheiros com quem vivem.

A cobardia destes seres é realçada por acharem que os seus relacionamentos assentam na posse de uma pessoa que nunca sonhou que podia ser livre. E estes seres tanto são desempregados como directores de grandes empresas, tanto são iletrados como possuidores de MBA’s ou doutoramentos. São seres que acreditam que eles são únicos para as mulheres que são suas. Não concebem que a liberdade que tiram às suas mulheres não acaba com o que elas sentem ou sonham sentir. Não percebem que quanto mais as sufocam, mais elas são infelizes. Quanto mais lhes dão, menos elas têm.

Esses seres são execráveis, na medida em que gerem os ciclos emocionais com momentos de tensão, seguidos de insultos e que terminam com um recomeçar carinhoso ou em prol do que foi um passado onde sempre acharam que deram o que as mulheres precisaram.

Mas a essas mulheres também lhes cabe a sua quota parte de responsabilidade no que concerne à educação dos seus filhos.

Nenhuma mãe tem o direito de colocar os filhos em sofrimento ao verem-na infeliz e sem direitos.

Nenhuma mãe tem o direito de transformar um inferno numa normalidade que no futuro seja aceite pelos seus filhos como normal.

Uma mãe castrada e violentada no seu espaço e privacidade tornar-se-á exemplo de normalidade para a sua filha, e tolerará como aceitável o exemplo do pai aos olhos do seu filho.

Muito poderá ser feito com legislação, mas muito pode e deve ser feito nas escolas. Mais importante do que o sucesso académico deveria ser o sucesso de boas crianças. De bons homens e mulheres seguras do que não podem nem devem viver.

Educar o respeito e o cuidado pelo próximo, como pede o Papa Francisco, começa na casa de cada um de nós, ensinando aos filhos que ninguém é dono de ninguém. Cultiva-se nos casais, através de um respeito claro pela privacidade de cada um dos seus membros, no correcto trato entre todos e na defesa da individualidade de cada um. Mesmo em famílias monoparentais o respeito pelo outro é essencial para que a geração futura cresça com a noção de que, independemente dos motivos que levaram a essa monoparentalidade, existe sempre consideração pela história de cada um.

Existem poucas coisas que podem ou devam ser consideradas desígnios nacionais. A violência contra menores, contra mulheres, ou qualquer outra forma de violência deve ser o desígnio de todos nós.

Referi num artigo no Observador a 20 de Julho de 2023, a propósito da violência contra as crianças, que são constantemente relegadas para segundo plano, reafirmo o que disse, que cabe às famílias educar bons “homens de amanhã”, às escolas formar melhores cidadãos do futuro e aos políticos cabe criar condições para que famílias, escolas e sociedade possam cumprir com a formação de bons seres humanos.

Enquanto priorizarmos, independentemente da sua importância, as venturas e desventuras dos nossos governantes, o sucesso do nosso clube de futebol, ou o mérito de quem ganha concursos de televisão, em detrimento do combate ao flagelo da violência, à educação das futuras gerações, nunca estaremos na linha da frente enquanto sociedade dita evoluída.

Todos, todos, todos deviam pugnar para que dias desses não fossem necessários assinalar.

Dedicado às 25 mulheres que morreram este ano:

Delia Gouveia | Dulce Oliveira | Claudia Silva | Conceição Ferreira | Carla Fonseca | Clara Rios | Angelina Oliveira | Carla Dias | Isaltina Gomes | Lara | Lara Pereira | Lucinda Carvalha | Janedi Borgwardt | Joana Nascimento | Farana Sadrudin | Gertudes Costa | Mónica Silva | Margarida Silva | Maria Antunes| Mariana Jadaugy | Núria | Maria Alice Furriela | Rita Cipriano | Piedade Patrocínio | Soraia Alexandra