O new normal a que nos vamos habituando acarreta grandes desafios para todos.

Os miúdos estão em casa e assistem às aulas online. Os pais estão em teletrabalho, porque as suas empresas assim os obrigaram. As entidades públicas, dentro das suas limitações, esforçam-se para proporcionar aos colaboradores os meios necessários, para que estes, minimamente, consigam realizar o seu trabalho.

Cidadãos, Empresas, Estado, terão obrigatoriamente de se habituar a esta nova realidade.

Se por um lado é verdade que ninguém estava à espera de uma crise como esta, também não é menos verdade que esta crise fará mais pelos processos de transformação digital nas organizações, em particular na Administração Pública (AP) portuguesa, que todos os governantes, diretores gerais, e quadros superiores da AP.

A verdade é que, com algumas exceções onde Portugal dá cartas a nível europeu, a generalidade dos nossos serviços públicos não está capacitada para suportar uma total digitalização dos serviços que prestam ao cidadão e às empresas. Estas entidades nunca apostaram numa verdadeira digitalização dos seus serviços, ora porque não havia interesse político, ora porque não havia orçamento, ora porque não havia recursos humanos capacitados, ora porque não havia vontade. Ou talvez apenas, pelo desconhecimento das virtualidades que as novas tecnologias podem trazer à prestação de um serviço público de qualidade, assim como a comodidade que consigo acarretam.

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Não basta ter uma página web informativa, um portal transacional com uma mão cheia de serviços, é preciso fazer muito mais. É preciso transformar completamente o processo e a forma de o entregar ao cidadão.

O país não está preparado, tal como não estava preparado na crise financeira que nos trouxe a Troika. Mas convém relembrar que foi precisamente devido a essa crise financeira que hoje conseguimos, apesar de tudo, ter alguma capacidade de resposta. Quando nessa altura as organizações foram forçadas pela crise a ser mais eficientes e eficazes, iniciaram processos de transformação digital nos seus serviços. A reengenharia do BackOffice aliada a estratégias informacionais e de transparência para com o cidadão estiveram na base daquilo que hoje é possível oferecer nos diversos serviços públicos online.

Quando em 2015 Peter Hinssen lançou o seu livro “The new normal”, não esperava certamente que todas as empresas ou estados fossem rapidamente desenvolver estratégias de inovação digital. Muito menos que as organizações se transformassem de acordo com os novos paradigmas que enfrentavam. Mas a verdade é que qualquer líder sensato e previdente deveria ter pensado na estratégia de continuidade do seu negócio ou na natureza do serviço público que presta ao cidadão.

Com isto não quero dizer que tudo no futuro tenha de ser apenas digital: a bem de todos, este novo normal, terá de ter ritmos e oferecer respostas diferentes.

Mas esta transição digital tem agora, definitivamente, que acontecer. A bem de todos.

Todas as organizações, sejam elas privadas ou públicas, têm hoje em dia um aliado, ao qual muitas vezes se esquecem de pedir ajuda: as tecnologias emergentes são este poderoso aliado.

Com este precioso auxílio, as entidades públicas podem agora fazer o last mile que faltava no seu relacionamento com o cidadão.

Se este new normal já existia, o cenário a que todos os dias assistimos, derivado da pandemia do Covid-19, aumenta a criticidade de dar (figurativamente) as mãos e (re)construir a sociedade como a conhecemos. Isto tudo a uma velocidade que ninguém previa ou acreditava ser possível, mas que nunca como hoje foi tão necessária.

Não é apenas uma questão de acompanhar as tendências no setor privado – e o que este já vai fornecendo aos seus clientes – e verificarmos a grande generalidade dos serviços que podemos encontrar nos mais diversos setores.

É agora uma questão de prestar um serviço público de qualidade, em comodidade, e de acordo com as necessidades de saúde pública que imperam.

Na verdade não estamos perante um novo paradigma digital. Não nasceram novas necessidades digitais, ou apareceu sequer uma nova tecnologia que revolucione a capacidade de entrega de serviços online. Estamos sim, perante uma urgência de oferta de serviços digitais, para a qual será necessário apresentar soluções assentes nas variadas potencialidades que o Estado tem ao seu dispor, sem esquecer ou hipotecar algumas das maiores premissas do serviço ao cidadão: simplicidade, qualidade, eficiência e conforto;

A comunicação e serviço à distância, a democratização dos serviços digitais, a disponibilização de conteúdos formativos e de acompanhamento digitais são fundacionais na construção deste new normal.

Live Experience ou Virtual Experience

Para começar, o grande potencial que este tipo de serviços podem trazer a uma nova oferta de serviços públicos. A capacidade de melhorar o envolvimento e a interação com o cidadão, orientado ao contexto em causa, na realização de uma obrigação legal, usando o canal preferido pelo cidadão, seja ele de voz, vídeo, partilha de écrans, ou outros.

Chatbots e Digital Assistants

Soluções de assistência digital projetadas para simular a resposta a uma conversação entre um cidadão e a Administração Pública, por forma a obter uma resposta simples a uma determinada questão ou no limite, uma sofisticada interação virtual com os serviços digitais da organização. São sistemas que aprendem e evoluem de modo a oferecerem níveis crescentes de personalização e confiança, à medida que estes sistemas vão coletando e processando informação. Tudo isto sem limitação de horários ou dependência da disponibilidade dos funcionários. Estes tipos de soluções permitem endereçar as tarefas repetíveis, deixando as tarefas de maior valor acrescentado para os funcionários “humanos”.

Plataformas de Live Streaming e e-Learning

Este género de plataformas possibilita uma maior capacidade de aprendizagem, aumentando a produtividade, interligando professores, alunos, e encarregados de educação. Existem alguns bons exemplos como a DUOLINGO ou a TWITCH que permitem uma aprendizagem autónoma ou de autoaperfeiçoamento.

As chamadas plataformas de LMS (Learning Management System), Moodle, Chamilo, Dokeos, Canvas LMS, Atutor, ODOO, etc., são ferramentas muito úteis já usadas no meio académico. Infelizmente, pouco aproveitadas no nosso sistema educativo ao nível do Ensino Básico e Secundário.

BigData

A capacidade de se fazer a correlação de grandes volumes de dados por forma a perceber tendências, realização de testes clínicos, descobrir erros ou fraudes. O melhor exemplo neste combate que todos temos pela frente é a plataforma que o governo sul coreano criou de Bigdata e Inteligência Artificial: proporciona um sistema de alarmística avançado, em tempo real, possibilitando, sempre que se conhece um novo caso, que todos os contactos tidos nas duas últimas semanas, tenham de imediato conhecimento da situação e assim possam fazer o teste de despistagem.

Machine Larning e Inteligência Artificial

Uma das várias aplicações para administração pública na deteção de comportamentos fraudulentos, muito semelhante ao que a banca já faz com sistemas de deteção de padrões fraudulentos, o machine learning pode ser um instrumento valiosíssimo para a deteção e minimização da fraude no sector público. Normalmente este tipo de tecnologias está interligado com o uso de sistema de Bigdata. Voltando ao exemplo anterior, cada pessoa (titular de cada cartão de cidadão) só pode, por exemplo, comprar duas máscaras de proteção na farmácia. Não existiriam assim quebras de stock, nem aumento abrupto no preço dos produtos essenciais.

Realidade Aumentada

Se até ao dia de hoje as atividades de apoio no local, por parte de técnicos especializados eram consideradas como normais, é previsível que – tirando partido dos nossos dispositivos móveis – sejamos encaminhados por aplicações de realidade aumentada, para executar tarefas que até hoje não seríamos capazes de fazer. A imagem que vemos do mundo é enriquecida automaticamente com Informação relevante em real time.

Blockchain

Os principais fabricantes mundiais juntaram-se à Organização Mundial da Saúde (OMS), com o intuito de criar uma base de dados central para verificarem a veracidade dos dados relacionados com a pandemia de Covid-19. Um bom teste às (acento grave e não agudo) virtualidades desta tecnologia.

Soluções na Cloud

A capacidade limitada dos tradicionais datacenters e a incapacidade de os escalar de forma rápida, para responder aos picos de serviço, são atualmente um bottleneck da Administração Pública. Os conceitos de pico de carga e de necessidade de agilidade e flexibilidade estão a ser redefinidos, ou pelo menos postos à prova. Respostas rápidas só serão possíveis, na sua grande maioria, com o auxílio de soluções baseadas na Cloud.

Reconhecimento facial

Não sendo um apologista, por razões de preocupação com a liberdade individual do cidadão – uma vez que a possível utilização desta tecnologia por governos ou organizações poderá conflituar com as nossas mais básicas liberdades – esta ferramenta poderá, no entanto, ser mais utilizada para identificar de forma unívoca cada pessoa, sempre que esta pretenda utilizar um serviço público. Seja em complementaridade ou em substituição completa dos documentos de identificação.

A noção, e principalmente a exigência de segurança, será sempre um ponto fundamental para a forma como as organizações públicas entregarão os serviços digitais que os cidadãos procuram. A confiança é, pois, o alicerce essencial. A desconfiança, na construção deste percurso, nunca poderá ter lugar no trinómio cidadão-serviço-entidade pública, sob pena de se fragilizarem os alicerces desta base, que se quer sólida.

Veja-se por exemplo o caso da aplicação House Party, que em 2 semanas passou a ser a aplicação de eleição para a comunicação entre os cidadãos, e à qual bastou apenas um rumor para deitar por terra toda esta brilhante, mas simples ideia, de nos aproximarmos todos novamente.

Se a tecnologia é o veículo, o destino é o cidadão.

A tecnologia deve ser utilizada para servir melhor cada um dos portugueses, seja em momentos tranquilos, seja em momentos de urgência. Principalmente antes, e não apenas depois de ser precisa. Porque o new normal não é só o “fazer hoje”, mas sim muito mais o estar preparado para o “amanhã”.

Por último, está demonstrado que países que utilizaram o digital desde a primeira hora estão a ganhar terreno nesta luta desigual. É só copiar. Veja-se o exemplo da Coreia do Sul.

A bem de todos.