O PAN é o grande vencedor das eleições europeias. É um facto.

E após estas eleições, a subida em termos de representação eleitoral levou a várias análises ao partido. Algumas destas análises são simplistas e incoerentes, outras incompletas. Dizer que “o PAN é um partido dos animais e não da ecologia” ou chamar os seus eleitores de “urbano-depressivos comedores de alface” é uma desvalorização perigosa de quem não percebe o que o PAN representa e quem representa.

O PAN é o partido que conseguiu cativar as ansiedades da população, oferecendo-lhes soluções erradas para os problemas certos. Aproveitando o mar de desinformação das redes sociais que cada vez mais ganha terreno, é o partido das falácias naturalistas, sentimentos quimicofóbicos e anti-sistema, faturando votos com esta nova geração de pessoas preocupadas com o seu bem-estar e com o mundo em geral, mas que desconhecem ou repudiam a ciência que lhes mostra o caminho. O PAN posicionou-se no sítio certo, na altura certa. E é previsível que continue a crescer.

Seria interessante desfazer ponto por ponto toda a pseudociência que o PAN promove, mas para não massacrar o leitor, vamos focar-nos apenas na agricultura e saúde.

1. Agricultura

O PAN defende acerrimamente a agricultura biológica, aproveitando a ideia disseminada na população que é uma agricultura melhor para a saúde, para o ambiente e que não utiliza pesticidas. Todas estas ideias, filhas do marketing, não têm sustentação factual.

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Na realidade a agricultura biológica não demonstrou ser melhor para a saúde, não demonstrou produzir alimentos mais nutritivos e apresenta-se pior para o ambiente segundo a última meta-análise de 2017, pela simples razão de precisar de mais terra para produzir a mesma quantidade de alimentos (entre 25% a 110%) e levar a maior eutrofização dos ecossistemas circundantes. Mais terra para o mesmo número de alimentos significa maior destruição de ecossistemas para produção agrícola. Maior eutrofização significa mais zonas mortas aquáticas, por exemplo.

Ao contrário do pensamento popular a agricultura biológica usa pesticidas, alguns dos quais mais tóxicos e menos bem estudados que os pesticidas habitualmente utilizados na agricultura convencional. Não deixa de ser engraçado que no “Relatório de Controlo Nacional de Resíduos de Pesticidas em Produtos de Origem Vegetal no ano de 2017”, publicado recentemente, tenha encontrado mais resíduos de pesticidas nos produtos biológicos e maior número de infrações percentuais, em comparação com a agricultura convencional.

Comprar produtos biológicos é pagar um preço pela ignorância científica. E, paradoxalmente, é contribuir para a degradação do ambiente e não o inverso do que o consumidor pretende. O marketing ganha, a ciência perde.

O PAN também é contra a possibilidade do cultivo agrícola e consumo de transgénicos e são a favor da rotulagem de alimentos que possam estar “contaminados” com estes produtos.

Podemos denominar os ativistas anti-transgénicos como os “anti-vacinas da agricultura”, já que esta tecnologia tem dezenas de consensos científicos que garantem a sua segurança, são uma tecnologia defendida por um manifesto assinado por 141 prémios Nobel e não haver qualquer registo de morte associada ao seu consumo. Zero.

Aliás, os transgénicos têm potencial de salvar milhões de vidas. Temos o caso do Arroz Dourado, arroz fortificado com vitamina A, que finalmente vai entrar no mercado. Este arroz poderá salvar centenas de milhares de pessoas da cegueira ou da morte, causadas por défice de vitamina A, problema extremamente relevante nos países Sul-Asiáticos e África Subsariana.

Contrariando o pensamento popular, os transgénicos BT têm o potencial de diminuir o risco de cancro, dado que apresentam menor contaminação por aflatoxinas, toxinas produzidas por fungos e que aumentam o risco de cancro hepático. Temos também a Innate Potato, uma Batata que contém menos Asparagina e que, quando frita, leva a menor produção de Acrilamida, um carcinogénio conhecido. Esta batata já foi aprovada para produção e venda nos Estados Unidos. E, para quem não sabe, o processo de aprovação da entrada de um produto transgénico no mercado é mais moroso e complexo que a aprovação de um medicamento.

Mas os transgénicos não são apenas seguros e eventualmente benéficos para a saúde. Sabemos que esta tecnologia permite a redução de forma impressionante da utilização de pesticidas, consegue levar a uma redução da erosão do solo e libertação e gases efeito estufa, o que é positivo para o ambiente. Tal foi demonstrado recentemente por um estudo Ibérico após 21 anos de utilização de transgénicos. E existem dezenas de estudos semelhantes.

Podíamos falar de mais exemplos nesta área, como o arroz que cresce em água salgada, plantas resistentes a inundações ou terrenos áridos, plantas mais produtivas por aumento da eficiência na fotossíntese ou que consomem menos água. Esta tecnologia agrícola é uma das grandes aliadas do ambiente. E, no entanto, descartada pelos ambientalistas e ativistas radicais, sedeados em partidos como o PAN, que alimenta o medo relativamente aos transgénicos baseados em falácias naturalistas e anti-sistema.

Ainda na Agricultura, o PAN é dos partidos que mais promove o medo relativamente ao Glifosato. Um saco de pancada popular que este partido soube capitalizar, apresentando legislação no Parlamento com o “objetivo de proteger os portugueses da contaminação com Glifosato”.

Para além de existirem, neste momento, mais de 15 relatórios realizados por centenas de cientistas, de países diferentes e instituições diferentes que garantem que o Glifosato não é carcinogénico, o PAN ignora a evidência e opta por continuar a cavalgar os receios infundados da população. Não só isso, utilizou um relatório da Plataforma Transgénicos Fora, sem qualquer validade científica, para enaltecer a sua posição. Não deixa de ser engraçado que, mesmo considerando esse relatório, os níveis de exposição dos portugueses ao Glifosato está MIL VEZES abaixo dos limites máximos estabelecidos. E estes limites já tinham sido reduzidos em 75% recentemente. Mas para os promotores do medo qualquer análise positiva de “contaminação” é uma vitória, já que o conceito de dose é algo que ignoram.

2. Saúde

O PAN é defensor das Terapias Alternativas, mas vai mais longe que os restantes partidos, sendo a favor da inclusão destas terapias no Serviço Nacional de Saúde. Seria favorável ao investimento dos escassos recursos do nosso Sistema de Saúde para colocar o Homeopata ao lado do Reumatologista.

Para além de não haver qualquer estudo que demonstre que as terapias tenham benefício para lá da melhoria da “qualidade de vida”, a realidade é que estas terapias são perigosas não apenas pela sua inutilidade, mas por serem focos de propagação de desinformação sobre tratamentos médicos eficazes. Não há estudos que demonstrem que as terapias alternativas prolonguem a vida, mas há estudos na área da Oncologia e Reumatologia que demonstram piorar o prognóstico e acelerar a morte. Acima de tudo por afastarem os doentes dos tratamentos médicos eficazes. Não só isso, os terapeutas alternativos são um dos grandes focos de promoção do medo relativamente à vacinação.

Ainda na saúde, o PAN decidiu que era hora de proibir os médicos de prescrever Ritalina a crianças com menos de 6 anos. E esta decisão foi feita com base numa interpretação completamente errada do que é medicação off-label e sem ter qualquer dado concreto que há uma prescrição exagerada deste tipo de medicação nessa ou em outras faixas etárias em Portugal. Quando confrontados pelos especialistas a demonstrar que estavam errados e porquê, não lhes deram ouvidos e levaram a sua campanha ao parlamento (que nem chegou a ser votada pelo tamanho absurdo que era) para manterem a sua ideologia aos crentes quimicofóbicos. Aconselhamos a ler este Fact-Check devastador da Vera Novais sobre as posições do PAN neste tema.

Estas são apenas duas áreas da senda anti-ciência promovida pelo PAN. Deixaremos o ambiente, investigação animal, questões energéticas, pecuária e alimentação para outra altura.

Alerta para os restantes partidos

Infelizmente o PAN não é o único partido que ignora a ciência, mas é o partido que faz bandeira do seu negacionismo. E tem sido premiado por isso, tristemente.

A culpa não é apenas do PAN, mas também da inação dos restantes partidos. Seja pela falta de foco nas questões ambientais e animalistas, pela incapacidade de promover a literacia científica da população e por serem coniventes com o descrédito dos “peritos” optando pelo populismo pseudocientífico.

Necessitamos de Partidos Ecomodernistas e Promotores da Ciência. Partidos que consigam dar resposta às ansiedades ambientais da população, com as soluções apropriadas, promovendo as tecnologias que estão ao nosso dispor e combatendo a demonização dos populistas relativamente a estas ferramentas. Partidos que se suportem na ciência aquando das tomadas de decisões políticas na saúde, agropecuária, ambiente ou energia.

Esperemos que a vinda do PAN seja uma motivação ao surgimento destes projetos e não um incentivo a copiar o que fazem de errado, contribuindo para a morte da competência, da negação da ciência, da realidade e da coerência.

João Júlio Cerqueira é médico especialista em Medicina Geral e Familiar, especialista em Medicina do Trabalho e Miguel Mealha Estrada é Psicanalista Pediátrico especialista em Neurodesenvolvimento