Depois de um Papa globetrotter, como foi São João Paulo II, e de um antecessor mais caseiro, como Bento XVI – que, contudo, não deixou de nos visitar, para recordar a perenidade da mensagem de Fátima – o actual pontífice tem sido bastante comedido no que diz respeito a viagens papais, sobretudo na velha Europa. Com efeito, o Papa privilegia as terras de missão, para além das fronteiras tradicionais da Cristandade. Não obstante esta sua preferência, Francisco esteve na Hungria no final de Abril e já confirmou a sua segunda vinda a Portugal, para as Jornadas Mundiais da Juventude.

A Hungria era, de certo modo, um destino improvável para uma viagem pontifícia, tendo em conta não apenas a sua história imperial, mas também o seu actual governo, conotado com a extrema-direita. Tanto a Hungria como a Polónia têm sido alvo de perseguição pela União Europeia, pela sua resistência às directivas contra os princípios e valores cristãos. Por outro lado, o governo magiar tem mantido uma atitude crítica em relação à política comunitária em relação aos refugiados oriundos de África e do Médio Oriente.

Budapeste, a capital da Hungria, foi o palco em que o Papa Francisco relançou o propósito de uma Europa unida e solidária. Como é sabido, a União Europeia nasceu como um projecto cristão de solidariedade continental, para que a união das nações europeias ultrapassasse as rivalidades entre as potências continentais que, no século passado, provocaram duas guerras mundiais. Se este era, na sua origem, o projecto europeu, depois foi descaracterizado, por pressão de uma agenda libertária, que impediu a óbvia menção do Cristianismo, no prólogo da sua malograda Constituição.

Foi neste contexto de crise do ideal europeu que, no passado 28 de Abril, o Papa Francisco, no ex-mosteiro carmelita de Budapeste, se referiu à União Europeia: “Nesta conjuntura histórica, a Europa é fundamental. Graças à sua história, representa a memória da humanidade e, por isso, está chamada a desempenhar o papel que lhe corresponde: unir os distantes, acolher no seu seio os povos e não deixar ninguém para sempre inimigo. Por conseguinte é essencial reencontrar a alma europeia: o entusiasmo e o sonho dos pais fundadores, estadistas que souberam olhar para além do seu tempo, das fronteiras nacionais e das necessidades imediatas, gerando diplomacias capazes de restabelecer a unidade, não de ampliar as ruturas”.

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A este propósito, foi particularmente inspiradora a alusão de Francisco aos pais fundadores da União Europeia: “Penso nas palavras ditas por Alcides de Gasperi, numa mesa redonda onde se encontravam também Schuman e Adenauer: ‘É para bem dela mesma, e não para a opor a outros, que defendemos a Europa unida (…); trabalhamos pela unidade, não pela divisão’ (Intervenção na Mesa Redonda da Europa, Roma, 13/10/1953). E penso ainda em quanto disse Schuman: ‘O contributo que uma Europa organizada e viva pode oferecer à civilização é indispensável para a manutenção de relações pacíficas’, pois – continua ele, com palavras memoráveis – ‘a paz mundial só poderá ser salvaguardada com esforços criativos, proporcionais aos perigos que a ameaçam’ (Declaração de Schuman, 09/5/1950).

Ultrapassados definitivamente – espera-se! – os perigos totalitários fascista-nazi e comunista, Francisco propõe uma Europa unida, mas na diversidade das várias culturas e mentalidades dos seus povos, contra qualquer tentação uniformista.

Como disse o Papa, “a Europa dos 27, construída para criar pontes entre as nações, precisa da contribuição de todos sem diminuir a singularidade de ninguém. A este propósito, preconizava um pai fundador: ‘A Europa existirá e nada se perderá daquilo que fez a glória e a felicidade de cada nação. É precisamente numa sociedade mais ampla, numa harmonia mais forte, que o indivíduo se pode afirmar’ (Intervenção cit.). Há necessidade desta harmonia: dum conjunto que não amachuque as partes, e de partes que se sintam bem integradas no conjunto, mas conservando a identidade própria. Significativo a este respeito é o que se afirma na Constituição húngara: ‘A liberdade individual só se pode desenvolver na colaboração com os outros’; e ainda: ‘consideramos que a nossa cultura nacional seja um rico contributo para a multicolorida unidade europeia’.”

A Europa corre o perigo de um novo totalitarismo, fundado na ideologia de género, que carece de fundamento científico, bem como de legitimidade democrática. Neste sentido, não podiam ter sido mais certeiras e pertinentes as palavras do Santo Padre: “Penso, pois, numa Europa que não seja refém das partes, tornando-se presa de populismos autorreferenciais, mas também que não se transforme numa realidade fluida, gasosa, numa espécie de supranacionalismo abstrato, alheio à vida dos povos. Tal é o caminho nefasto das ‘colonizações ideológicas’, que eliminam as diferenças, como no caso da chamada cultura do género, ou então antepõem à realidade da vida conceitos redutores de liberdade quando, por exemplo, se alardeia como conquista um insensato ‘direito ao aborto’, que é sempre uma trágica derrota.”

Contra este neocolonialismo ideológico, Francisco propõe uma Europa livre e humanista: “como é belo construir uma Europa centrada na pessoa e nos povos, onde haja políticas eficientes para a natalidade e a família cuidadosamente implementadas como neste país (na Europa, há nações cuja idade média é de 46-48 anos!), onde nações diversas sejam uma família em que se preserva o crescimento e a singularidade de cada um. A ponte mais famosa de Budapeste – a das correntes – ajuda-nos a imaginar uma Europa parecida, formada por muitos e grandes anéis diferentes, cuja solidez depende da firmeza dos vínculos estabelecidos entre si. Para isso muito contribui a fé cristã, podendo a Hungria servir de ‘construtora de pontes’ graças ao seu específico caráter ecuménico: aqui convivem, sem antagonismos, diferentes Confissões (…), colaborando respeitosamente, com espírito construtivo.

A primitiva evangelização da Europa foi obra dos santos e assim deve ser a sua reevangelização. A lei fundamental da Hungria é expressiva do compromisso cristão para com os mais necessitados, porque a Constituição expressamente afirma: “Declaramos como obrigação a assistência aos necessitados e aos pobres”. Contudo, um tal propósito só é realizável se houver uma “continuação da história de santidade húngara”, fundada por Santo Estêvão, seu “primeiro Rei, que estabeleceu os alicerces da convivência comum”, a quem deu continuidade “uma Princesa que eleva o edifício para uma pureza ainda maior. É Santa Isabel, cujo testemunho se estendeu a todas as latitudes. Esta filha da vossa terra morreu aos 24 anos, depois de ter renunciado aos seus bens distribuindo tudo pelos pobres. Dedicou-se até ao fim ao cuidado dos doentes no hospital que fizera construir: trata-se duma joia resplandecente de Evangelho.

Grata é para nós, portugueses, esta referência a Santa Isabel da Hungria, tia-avó da nossa homónima Rainha Santa, também modelo das virtudes cristãs e daquela solidariedade social que é timbre da verdadeira piedade: “Quem se professa cristão, impelido pelo exemplo das testemunhas da fé, é chamado principalmente a dar testemunho e a caminhar com todos, cultivando um humanismo inspirado pelo Evangelho e que se orienta sobre duas linhas fundamentais: reconhecer-se filho amado do Pai e amar a cada um como irmão.