Durante a sua recente estadia em Singapura, na sexta-feira 13 – curiosa data! – de Setembro, o Papa participou numa reunião com jovens de várias religiões.
Nessa ocasião, segundo o site oficial do Vaticano, Francisco disse: “se começardes a discutir: ‘A minha religião é mais importante do que a tua…’ ‘A minha é a verdadeira, a tua não é verdadeira…’. Para onde é que isso vos leva? Para onde? Alguém pode responder? [Responde um: “Destruição”]. É isso. Todas as religiões são um caminho para nos aproximarmos de Deus. E faço esta comparação: são como línguas diferentes, diversos idiomas, para chegarmos lá. Mas Deus é Deus para todos. E porque Deus é Deus para todos, todos nós somos filhos de Deus. ‘Mas o meu Deus é mais importante do que o vosso!’ Será que isto é verdade? Só há um Deus, e nós, as nossas religiões são linguagens, caminhos para chegar a Deus. Uns sikhs, outros muçulmanos, outros hindus, outros cristãos, são caminhos diferentes. Entendido?”.
Charles J. Chaput, arcebispo emérito de Filadélfia, num artigo publicado em First Things e na Infovaticana, relativizou estas palavras de Francisco: “como se trata de um aparte, esta afirmação carece da exactidão própria de um texto previamente elaborado, pelo que é de supor que o que [o Papa] disse não era exactamente o que queria dizer.” De facto, para a Igreja católica, “as religiões não são todas iguais no que respeita ao seu conteúdo e consequências”. “Como a nossa fé ensina muito claramente, só Jesus Cristo salva”, até porque, em caso contrário, não faria sentido o martírio cristão.
Neste caso, a referência do Santo Padre às diferentes linguagens aplica-se, que nem uma luva: enquanto Ratzinger era teólogo e como tal se expressava, o seu sucessor que, decerto, não pode ser por isso desconsiderado, é sobretudo um pastor, cujo estilo descontraído, sobretudo quando improvisa, não goza da mesma precisão teológica.
Quando a mãe diz ao filho pequeno que Deus fica triste se ele não comer a sopa, faz uma afirmação incorrecta, do ponto de vista teológico, porque o amor de Deus por ele não depende do número de sopas ingeridas. De todos os modos, é aceitável – e, talvez, eficaz! –, porque leva o filho a compreender que a vontade divina é expressa pelo mandato da sua mãe, quando esta lhe exige que faça o que é bom para ele.
Afirmou o Papa que “todas as religiões são um caminho para nos aproximarmos de Deus. E faço esta comparação: são como línguas diferentes, diversos idiomas, para chegarmos lá. Mas Deus é Deus para todos”. Enquanto obras literárias, posso comparar a Bíblia, Os Lusíadas e O Conde de Monte Cristo, sem dizer que estão ao mesmo nível, ou negar a especificidade do texto sagrado. Todas as religiões pretendem dar a conhecer Deus e proporcionar a salvação, mas nem todas o logram.
Quando o Papa Francisco disse que, “se começardes a discutir: ‘A minha religião é mais importante do que a tua…’ ‘A minha é a verdadeira, a tua não é verdadeira…’. Para onde é que isso vos leva? Para onde?”, a sua intenção óbvia era evitar que as diferenças religiosas sejam uma fonte de conflitos, porque é mais importante o que une todos os crentes – o seu conhecimento e amor a Deus – do que o que os separa.
Que os fiéis de diferentes credos estejam certos sobre as suas respectivas religiões não quer dizer que sejam todas verdadeiras, até porque a verdade é só uma e, em virtude do princípio de não contradição, nada pode ser e não ser em simultâneo e no mesmo sentido. A verdade é a adequação do conhecimento à realidade, enquanto a certeza é uma convicção subjectiva. Todos os crentes sinceros estão certos quanto à sua fé, mas nem todos estão na verdade porque, como lembrou o Santo Padre, “só há um Deus”. Se há um só Deus, também só há um conhecimento verdadeiro sobre Deus. Se as religiões são, como o Papa também disse, “linguagens, caminhos para chegar a Deus”, só uma dessas linguagens é verdadeira. Se uma religião é verdadeira, as outras não podem sê-lo, pois, nesse caso, não seriam outras religiões, mas a mesma, como é lógico. Há diversidade de caminhos – “uns sikhs, outros muçulmanos, outros hindus, outros cristãos, são caminhos diferentes” –, mas só um para o Céu. Posso ir para norte, sul, este ou oeste, mas só há uma direcção para cada um desses destinos.
É doutrina de fé, solenemente reafirmada pelo Concílio Vaticano II, que “a Igreja, peregrina na terra, é necessária para a salvação. Só Cristo é mediador e caminho de salvação” (Constituição dogmática Lumen gentium, 14; Decreto Ad gentes, 7; Decreto Unitatis redintegratio, 3). Por isso, “seria obviamente contrário à fé católica considerar a Igreja como um caminho da salvação ao lado dos constituídos pelas outras religiões, como se estes fossem complementares à Igreja, ou até substancialmente equivalentes à mesma” (Declaração Dominus Iesus, 21). Cristo disse que era “o caminho” não mais um caminho; “a verdade”, em singular porque é única; “e a vida”; tendo depois acrescentado que “ninguém vai ao Pai senão por mim” (Jo 14, 6).
Deste princípio não decorre que tudo o que dizem as outras religiões seja falso e inútil, porque, “com efeito, algumas orações e ritos das outras religiões podem assumir um papel de preparação para o Evangelho, enquanto ocasiões ou pedagogias que estimulam os corações dos homens para se abrirem à acção de Deus (cf. Catecismo da Igreja Católica, nº 843)”. De facto, Deus, para preparar a humanidade para a sua definitiva revelação em Cristo, suscitou o judaísmo. E o Corão refere a assunção de Maria ao Céu, muito antes de a Igreja católica ter proclamado este dogma, em 1950.
Há quem pense que esta pretensão à infalibilidade da verdade e à exclusividade da salvação é uma atitude arrogante e presunçosa da Igreja, cujos fiéis, obviamente, não são melhores do que os outros homens. Mas, um católico não tem dúvidas quanto à veracidade da sua religião, nem quanto à sua necessidade para a salvação, não por uma questão de soberba, mas de profunda humildade.
Os outros crentes são levados a pensar que a fé que professam é a verdadeira, porque é a ‘sua’ religião, mas, com os católicos, acontece exactamente o contrário. Com efeito, se a fé que confessamos fosse, de facto, ‘nossa’, a religião católica não se distinguiria dos demais credos e teríamos os mesmos motivos para duvidar da sua verdade e eficácia. Mas, precisamente porque a nossa fé não é nossa, mas de Deus, que a revelou pelo seu Filho unigénito, que provou pela sua ressurreição ser quem é, temos a absoluta certeza de que é verdadeira e que salva. Com efeito, é por seu intermédio que Deus quer, por regra que admite excepções, “que todos os homens se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade” (1Tm 2, 4).